Portugal cada vez mais dependente dos fundos comunitários

Portugal tem um historial de níveis de investimento público débeis, cujo problema crónico se acentuou no presente período de programação entre 2014 e 2020.

Segundo a Comissão Europeia, Portugal apresenta fragilidades ao nível do investimento público, estando entre os Estados Membros com investimento público mais baixos, sendo o país com o pior desempenho, posicionando-se no último lugar do ranking nos anos de 2014 a 2020, excepto em 2015 (3.º pior país com investimento público mais baixo em percentagem do PIB).

Tradicionalmente, Portugal tem níveis incipientes de investimento público, agravados com a descida nas duas décadas deste milénio. Nestes 21 anos, de 2000 a 2020, existiram três períodos de programação comunitária, associados ao Quadro Comunitário de Apoio III (QCA III 2000-2006), ao Quadro Estratégico de Referência Nacional (QREN 2007-2013) e ao Portugal 2020 (PT2020 2014-2020).

No primeiro período de programação registaram-se os valores, em regra, mais elevados, com uma média de 6,4 mil milhões de euros /ano, entre 4% a 5% do produto interno bruto (PIB), com um peso médio de 4,3%.

O segundo período registou uma quebra pouco significativa em volume, com uma média de 6,1 mil milhões de euros /ano de investimento público, mas uma redução mais significativa em termos proporcionais ao produto, com apenas 3,5% em média do PIB.

Porém, este segundo período é marcado por uma primeira fase pré-troika, de 2007 a 2010, e uma segunda fase, contemporânea ao Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, com a ‘presença’ da troika em Portugal de Abril de 2011 a Maio de 2014.

O maior volume de investimento público ascendeu a 9,5 mil milhões de euros, em 2010, no ano pré-troika, representando o maior peso de investimento público no produto neste milénio (5,3%).

Durante os anos de implementação do Memorando de Entendimento (2011-2014), o investimento público baixou anualmente até aos 3,4 mil milhões de euros, representando apenas 2,0% do produto, em 2014, no último ano da troika em Portugal.

Não obstante a saída da troika, em 2014, o investimento público atingiu os seus valores mais baixos, nas séries oficiais do INE, que remontam a 1995, nos anos de 2016 a 2019, com uma média anual de 3,5 mil milhões de euros, representativos de apenas 1,8% do produto nesses anos. O pior registo deu-se em 2016, com um investimento público de 2,9 mil milhões de euros, no menor peso do produto alguma vez registado (1,5%).

“O nível de ajustamento que tem sido implementado em Portugal nos últimos anos tem uma opção de política de desinvestimento público face à necessidade de equilíbrio das contas públicas, do défice público e da diminuição da dívida pública”

Constata-se que no período pós-troika (2016-2019), os valores de investimento público foram dos mais reduzidos nas séries oficiais, inferiores inclusive ao período de implementação do Memorando de Entendimento (2011-2014), que apresentou um investimento público médio anual de 4,4 mil milhões de euros, com um peso de 2,5% do PIB.

O nível de ajustamento que tem sido implementado em Portugal nos últimos anos tem uma opção de política de desinvestimento público face à necessidade de equilíbrio das contas públicas, do défice público e da diminuição da dívida pública.

Como mencionado, o investimento público em Portugal, no período 2014-2020 foi o mais baixo registado em toda a União Europeia, com um peso médio de 1,9% do PIB, que compara com a média da UE de 3,0% do produto.

Não fossem os fundos comunitários, o investimento público em Portugal certamente cairia para patamares mais reduzidos.

No primeiro período de programação (2000-2006), o investimento público agregado ascendeu a 44,5 mil milhões de euros, tendo Portugal obtido uma dotação global de fundos comunitários (FEDER – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, FSE – Fundo Social Europeu, FC- Fundo de Coesão, IEJ – Iniciativa de Emprego Jovem) de 16,1 mil milhões de euros no QCA III, que determinou um peso dos fundos comunitários, neste período, de 36,2% no investimento público do país.

No segundo período de programação (2007-2013), o investimento público agregado reduziu-se para 43,0 mil milhões de euros, mas Portugal obteve uma maior dotação de fundos comunitários, elevando o peso dos fundos comunitários no investimento público português para 49,8%. Ou seja, o peso ou a responsabilidade dos fundos comunitários na alavancagem do investimento publico em Portugal aumentou de cerca de 1/3 para ser responsável por praticamente metade do investimento público realizado no país no período de programação 2007-2014.

De acordo com as estatísticas oficiais (INE e Eurostat), e a publicação ‘A coesão na Europa no horizonte 2050’, produzida pela Comissão Europeia, a dependência do investimento público face aos fundos comunitários aumentou em Portugal para 88%.

Neste período de programação (2014-2020), o investimento público agregado em Portugal foi de apenas 26,0 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 60% do investimento público registado nos dois primeiros períodos de programação. Com uma dotação de fundos comunitários de 23,0 mil milhões de euros, e dito de forma simplista, 88% de todo o investimento público em Portugal é alavancado por fundos comunitários.

Não existe outro Estado Membro da União Europeia com um peso dos fundos comunitários tão elevado como o de Portugal, face ao total do investimento público verificado no país.

Os países que se seguem neste ranking são também países beneficiários das políticas da Coesão, a Croácia e a Lituânia, mas com um peso dos fundos comunitários no investimento público aquém dos 70%. Seguem-se países como a Eslovénia, a Polónia, a Bulgária e a Letónia, com um peso dos fundos comunitários no investimento público entre 50% e 60%.

Portugal é assim o país da União Europeia com o maior nível de dependência de fundos comunitários na alavancagem do investimento público, tratando-se de uma diferença significativa de Portugal para os restantes países beneficiários da Coesão.

O financiamento europeu da política de coesão tem assim um impacto significativo na alavancagem do investimento público em Portugal, no contexto da consolidação orçamental na sequência da crise económica e financeira. No entanto o que se constata é que esta fonte de financiamento é, em larga medida, a principal fonte de financiamento para o investimento público em Portugal.

Com uma redução tão significativa no volume de investimento público ocorrida em Portugal, mantendo-se em níveis muito aquém do que se verificava antes da crise financeira de 2008-2009, subsistem as preocupações sobre o efeito no seu potencial de crescimento a longo prazo e na convergência relativamente ao PIB per capita com o resto da União Europeia.

Tito Miguel Pereira

Consultor

(Escrito em desacordo Ortográfico)