Os lucros das petrolíferas e o custo dos combustíveis

O preço dos combustíveis nos postos de abastecimento tem aumentado. Simultaneamente, os lucros das petrolíferas, nomeadamente os da GALP, têm aumentado. É fácil juntar os dois factos e estabelecer uma relação causal. Mais do que causal, tem sido estabelecida uma relação intencional, ou seja, que petrolíferas como a GALP têm aumentado os preços dos combustíveis de forma concertada para prejudicarem os consumidores e obterem lucros mais elevados. Logo vieram forças políticas propor um imposto adicional sobre estes lucros extraordinários, uma forma de punir as empresas petrolíferas – no caso português, a GALP – por estes lucros inesperados. Antes de analisar isto com cuidado, fica a nota de que é perfeitamente plausível que empresas entrem em conluio num determinado sector. Já aconteceu algumas vezes e é perfeitamente plausível que volte a acontecer, pelo que a desconfiança não é deslocada. Para entendermos se é este o caso, convém começar por perceber como funciona o negócio dos combustíveis.

O negócio dos combustíveis tem três grandes áreas de negócio: a exploração/produção de petróleo, a refinação e a comercialização. Algumas empresas estão nas três áreas de negócios, outras apenas em duas e outras apenas numa. A GALP, por exemplo, está nas três. O Intermarché apenas comercializa combustíveis nos seus hipermercados, mas não refina nem explora petróleo.

Na realidade, apesar de existir apenas uma refinaria em Portugal, a GALP não pode cobrar os preços que bem entender porque os postos de combustível podem simplesmente importar combustíveis se a GALP começasse a cobrar preços elevados.

Comecemos pela exploração/produção. Nesta área de negócio, as empresas obtêm zonas de exploração de petróleo, extraem o petróleo e vendem-no. Os custos de extração dependem do sítio de onde é extraído e da capacidade da empresa em ter as melhores tecnologias. Já o preço está dependente de várias coisas e nenhuma empresa verdadeiramente o controla. Os preços do petróleo sobem e descem de acordo com a procura e vários acontecimentos internacionais. Quando há uma guerra num grande produtor de petróleo, normalmente os preços sobem. Quando vários países produtores de petróleo precisam de dinheiro, quando a OPEP deixa de funcionar, ou um país produtor antes em guerra reativa a sua produção, os preços descem. Os preços também podem descer se houver uma queda do consumo de combustíveis a nível global, tendo como caso extremo o exemplo da pandemia, onde o petróleo atingiu valores historicamente baixos (na verdade, até chegou a ter preço negativo durante algum tempo, algo nunca visto, mas cuja razão não vale a pena explicar aqui). Nesta altura, devido à situação na Ucrânia, o preço do petróleo aumentou substancialmente (está a inverter, mas ainda assim em valores altos). Este aumento do preço do petróleo faz com que as empresas que extraem petróleo ganhem mais do que ganhavam antes. Boa parte dos “lucros inesperados” resultam daqui. No caso da GALP são cerca de 80% dos lucros. No entanto a GALP não tem qualquer capacidade de influenciar o custo internacional do petróleo porque é apenas mais um pequeno produtor mundial. Mesmo os grandes, como a Shell, a BP ou a ARAMCO, não conseguem definir sozinhas o preço a que vendem o petróleo extraído. Logo aqui percebemos que estes lucros até podem ser inesperados, mas não resultam de um esforço concertado, apenas de eventos externos que, por exemplo, uma empresa como a GALP não tem qualquer capacidade de influenciar. Tal como não terá capacidade de influenciar se amanhã voltarmos a ter uma situação como a de 2020 em que os preços caiam abruptamente. Se isso voltar a acontecer, a GALP terá prejuízos inesperados sem poder fazer muito em relação a isso. Adicionalmente, estes lucros no caso da GALP não são sequer realizados em Portugal, mas sim em Angola e Brasil onde a empresa tem as suas explorações de petróleo.

O petróleo extraído é, depois, refinado. A refinação é o processo através do qual o petróleo é transformado em gasóleo, gasolina e outros combustíveis. Em Portugal temos apenas uma refinaria após o fecho da refinaria de Matosinhos. A refinaria de Sines, operada pela GALP, serve o país todo. Sendo apenas uma empresa a refinar em Portugal, isto poderia gerar algum tipo de manipulação de preços. Mas, tal como o petróleo, também os produtos refinados têm preços definidos internacionalmente. Na realidade, apesar de existir apenas uma refinaria em Portugal, a GALP não pode cobrar os preços que bem entender porque os postos de combustível podem simplesmente importar combustíveis se a GALP começasse a cobrar preços elevados. Historicamente, as margens de refinação acrescentam pouco ao preço final dos combustíveis, mas recentemente essas margens subiram um pouco por todo o mundo. Conluio? Nem por isso. Durante a pandemia, fecharam muitas refinarias, outras diminuíram as operações. Como a retoma pós pandemia foi mais rápida do que se esperava, não houve capacidade de refinação disponível para toda a procura, fazendo disparar os preços de produtos refinados. Mais uma vez, devido a um fator externo, não controlado pelas empresas petrolíferas, a sua margem de lucro aumentou. No caso da GALP, esse aumento foi significativo, mas ainda assim representa uma parte pequena dos seus lucros totais.

Depois temos o terceiro segmento: a comercialização de combustíveis. As empresas nesta área de negócio compram os produtos refinados (gasolina, gasóleo,…) à refinaria de Sines ou então importam de outras refinarias fora do país. Este segmento de negócio é composto por várias empresas, desde grandes petrolíferas como a GALP, BP, Cepsa ou Repsol, até pequenos comerciantes e até supermercados. São normalmente os comerciantes que levam com a opinião pública em cima quando os preços sobem, sendo que são eles normalmente os menos culpados por esta subida. Qualquer aumento de preço resulta logo em acusações de conluio, mas as acusações são quase sempre rejeitadas pelo regulador. Na realidade, este tende a ser um mercado competitivo, com enormes diferenças de preço entre os postos de combustível das grandes marcas junto às principais vias rodoviárias e operadores independentes ou mesmo supermercados que normalmente vendem combustíveis com margens muito próximas de zero (porque o objetivo é trazer pessoas ao supermercado). O único sítio onde não há concorrência e, por isso, os preços tendem a ser altos e parecidos são as autoestradas devido à limitação no número de estações de serviço. A GALP faz uma pequeníssima parte dos seus lucros (2-4%) neste negócio. As empresas que operam nesta área de negócio não têm visto os lucros a aumentar porque as margens têm ficado estáveis ou até caído ligeiramente.

Em resumo, a esmagadora maioria dos lucros “inesperados” resultam de fatores externos que empresas como a GALP não controlam. Mas tanto não controlam a subida, como não controlarão a descida se for caso disso.

Escrevi aqui que são três os segmentos de negócio que contribuem para o preço final dos combustíveis, mas esqueci-me de uma importante: a fiscalidade, cujo monopolista é o Estado português. Esta é uma área relevante porque o estado português ainda é responsável por cerca de metade do custo dos combustíveis e é verdadeiramente a única que está nas nossas mãos usar. Antes de relacionar os lucros inesperados das petrolíferas com o custo dos combustíveis na bomba, talvez fosse importante perceber como se formam esses preços e quem verdadeiramente tem a capacidade de decidir baixá-los de um dia para o outro de forma substancial: o estado português através da fiscalidade. Nenhum outro produto é tão castigado fiscalmente como os combustíveis.

Carlos Guimarães Pinto

Colunista