Espinho e sustentabilidade

Pode dizer-se que foi a partir da Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, que o tema começou a ganhar acuidade: os avanços tecnológicos propiciaram o desenvolvimento e o crescimento económico, mas à custa da exploração, nunca antes vista, dos recursos naturais e de agressões à natureza com a instalação de indústrias poluentes. Como, lucidamente, se escreve no guiadoensino.com.br, geografia, “essa guinada tecnológica foi responsável por melhorias e crescimento económico, mas também grandes problemas advindos da falta de consciência acerca da necessidade de um crescimento ecologicamente viável e socialmente igual. Imersos na mentalidade da época, os ingleses encaravam a poluição das fábricas como um símbolo de vitória e prosperidade e, como diziam na época da Segunda Revolução Industrial, ‘onde há poluição, há dinheiro’ – sem perceber os possíveis efeitos colaterais do modelo industrial, marcado pela desigualdade social e pelas péssimas condições de vida dos operários”.

Foi, no entanto, nos últimos 30 anos, e muito por causa das alterações climáticas, que o mundo “acordou” para as consequências negativas do desenvolvimento económico para a natureza, os recursos naturais e o meio ambiente e, consequentemente, para a necessidade de tomar medidas para “garantir as necessidades do presente sem comprometer as gerações futuras” (Our Common Future ou Brundtland, da World Commission on Environment and Development, 1987).

Mas o que se entende por sustentabilidade?

O conceito de sustentabilidade é complexo, interdisciplinar, abrangendo várias dimensões, pelo que não é fácil defini-lo, sendo preferível concretizar o “conceito” e, ainda assim, sem que seja consensual. Procurarei, por isso, dar a minha visão sobre a questão sem quaisquer pretensões de a tornar definitiva e, muito menos, inquestionável.

A sustentabilidade está indissociavelmente ligada ao desenvolvimento sustentável, ou seja, o desenvolvimento global não pode e não deve fazer-se de forma a comprometer as necessidades das gerações futuras, princípio assente em três dimensões: a ambiental, a social e a económica.

Como soe dizer-se, vale mais uma imagem que mil palavras. No caso, tal “imagem” tem que ser escrita… Pois bem: recentemente, e por mero acaso, num pequeno apontamento da DECO transmitido num canal de televisão, foi referida a sustentabilidade e indicado como exemplo o sobreiro. Esta árvore é sustentável porque a casca/cortiça é extraída a cada nove anos, posto que a planta a regenera; a cortiça é a matéria-prima de uma actividade económica com relevância social; não há agressão à natureza, nem dano ambiental. O exemplo dá uma ideia, de fácil perceção, do que se entende por desenvolvimento sustentável.

Em cada uma das dimensões são propostas medidas que contribuam para atingir objectivos de sustentabilidade. Considerando que a sustentabilidade constitui um desígnio global, a ONU definiu Objectivos do Desenvolvimento Sustentável apoiados nos chamados 5 pês: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parceria.

O décimo primeiro dos objectivos de Desenvolvimento Sustentável é tornar as cidades e comunidades resilientes e sustentáveis (cfr. BCDS Portugal). Na verdade, grande parte da população mundial habita nos centros urbanos e, sendo a sustentabilidade um problema de países, de governos, de empresas e de pessoas, forçoso se torna tratar também a questão ao nível das cidades.

Definido, necessariamente em termos gerais e sintéticos, o que se entende por desenvolvimento sustentável, proponho-me fazer uma abordagem ao tema no caso específico de Espinho.

Entendendo-se a sustentabilidade, em sentido amplo, como o equilíbrio entre o desenvolvimento económico e o bem-estar social, uma cidade sustentável deverá ser capaz de funcionar como unidade orgânica que subsiste autonomamente: autónoma em termos de bens essenciais (água fresca, terra arável, produção alimentar, …) e equilibrada na repartição de espaços para habitação, serviços, actividade económica e lazer.

Sendo razoável pretender tudo isto, mas tendo consciência das limitações, esta cidade modelo poderá motivar iniciativas no apoio à produção agrícola e piscatória, por exemplo. A reduzida dimensão do território poderá ser compensada pela criação de infraestruturas adicionais, localizadas (agricultura vertical, por exemplo) e uma maior harmonia entre os espaços conviventes.

Transportes

A dimensão do concelho não coloca especiais problemas quanto à circulação no seu interior. A associação de uma rede elementar de transportes coletivos (amigos do ambiente) e a promoção do uso de bicicleta, em ciclovias bem desenhadas, bastará em termos de mobilidade. Neste particular, a vulgarização do uso da mobilidade elétrica pelas trotinetes é de aplaudir. O ambiente e a qualidade de vida agradecem…

O maior problema é, obviamente, a mobilidade de e para o concelho. À temática da mobilidade associa-se a questão do aparcamento automóvel, estudando, designadamente, o seu afastamento do centro da cidade, tendo em conta, por um lado, a poluição atmosférica e, por outro, a acessibilidade aos serviços e atividades económicas que se encontrem concentradas no centro.

Trabalho e habitação

Estas problemáticas estão diretamente associadas à questão dos transportes e da fixação residencial no concelho. O domínio terciário do trabalho em Espinho recomenda uma reorientação da ocupação do património edificado, privilegiando o apoio a novas formas de exercício e ocupação de atividades (teletrabalho, áreas de co-work, …) em harmonia com a habitação. A criação de mais postos de trabalho corresponderá a benefícios em todas as componentes da sustentabilidade.

Energia

Neste capítulo, o apoio a comunidades energéticas, formadas por consumidores de energias limpas (painéis fotovoltaicos), com a possibilidade de colocação na rede pública da produção excedentária, deveria ser equacionado. Num concelho de relativamente reduzida dimensão, quer pela orografia, quer pelo impacto visual negativo, a opção pela energia eólica não parece ser válida…

Enquadramento autárquico

A importância e relevância da sustentabilidade impõe que, ao nível autárquico, se deva integrar como um pelouro ou, pelo menos, um “sub pelouro”, por exemplo, do ambiente, uma equipa que integre consultor(es) especialista(s) em sustentabilidade, idealmente com experiência nas vertentes do ambiente, dos transportes, da energia, do trabalho, da habitação, etc.

Tal equipa, com diferentes níveis de afetação (com alguém a 100% de dedicação), deveria estabelecer rotinas de contacto com equipas análogas existentes, de preferência ligadas à Associação Metropolitana do Porto.

Entre as primeiras tarefas, a elaboração e aprovação de um regulamento de Sustentabilidade do Concelho de Espinho, para, depois, assegurar uma intervenção permanente de análise e levantamento das atividades do concelho, elaborando e propondo a implementação de projetos próprios e o acompanhamento de demais projetos em termos de sustentabilidade. Sem tal estrutura mínima com poderes delegados, a sustentabilidade não passará de um conceito vago, sem tradução prática e, portanto, sem qualquer utilidade.

O objetivo de tornar Espinho uma cidade sustentável constitui um desígnio das atuais gerações para garantir o desenvolvimento económico, a preservação da natureza e do ambiente e a qualidade vida das gerações vindouras.

Rui Abrantes

Advogado