1 – Não nasci em Espinho, mas, tudo somado, aqui passei a maior parte de uma já longa existência. Nos meus tempos de infância e juventude, Espinho era, para mim, sinónimo de lazer e de liberdade.
E, na verdade, apesar de termos mudado muito, tanto eu como a cidade, esta continua
a sê-lo…. Tenho uma paixão pelo “nosso mar”, por um oceano de correntes fortes
e águas frias. Ainda por cima, se há coisa que evoluiu pela positiva é precisamente…
o mar, graças aos paredões, que criaram uma autêntica piscina natural, onde é, agora,
mais seguro nadar, sempre com surfistas ao largo. A bonita piscina, inaugurada quando
eu mal sabia andar, está como nova, e a marginal bem cuidada, do Rio Largo a Silvalde.
Vão crescendo zonas de esplanada, restaurantes, cafés – cafés que, todavia, não
fazem esquecer os antigos, os da Avenida, palcos perdidos de tertúlias memoráveis, e
a própria movida de gente elegante no seu vaivém sob as palmeiras… Esse Espinho da
nossa nostalgia não volta mais. É preciso, sim, valorizar o que é, talvez, ainda possível.
O cinema, por exemplo.
2 – De entre todas as atrações que a vila, (depois, cidade) de Espinho nos disponibilizava,
a mais extraordinária era, certamente, o cinema! Nem o Porto, com tantas e tão boas salas de espetáculos, a suplantava.
Aqui o Teatro São Pedro e o Cine Teatro do Grande Casino de Espinho ofereciam-nos sessenta filmes por mês, com a renovação diária da programação variada em esplêndidas instalações! No início do mês, cumpríamos o ritual de ir às bilheteiras do São Pedro e do Casino pedir o programa quinzenal ou mensal e logo anotávamos os imperdíveis.
Muitas vezes, dois bons filmes coincidiam no mesmo dia e lá íamos nós, à tarde a um, e a outro à noite. À noite com os pais, que raramente estavam indisponíveis para nos
levarem com eles. Éramos uma família de cinéfilos. Foi com meu avô Manuel que me
“viciei”, desde cedo, na sétima arte. Lembro- me de ir pela sua mão, com cinco ou seis anos, a um Batalha recém-inaugurado.
Via e gostava de tudo – comédias, dramas, operetas, “westerns” … tudo exceto filmes infantis…
Espinho é hoje, praticamente, uma cidade sem cinema!
Guardei alguns desses “Programas”, em papel de variadas cores – azul ou rosa pálido, verde, laranja… – com notas sobre cada filme. Do São Pedro, encontrei um programa de agosto de 1962 e outro de setembro de 1981. Com duas décadas de diferença, nada se havia alterado, nem o estilo da sinopse de propaganda, nem o horário das sessões (3,30 da tarde e 9,45 da noite). Porém, talvez por mero acaso, o nível da programação não é semelhante, com 62 a ganhar, com filmes como “Esplendor na relva”, “Rocco e os seus irmãos”, “O Desconhecido
do Norte Expresso” (do “genial Hitchcock”, diz a nota), “O Rosto” (do “mestre Ingmar
Bergman” não se esquecem de salientar), “A quimera do Ouro” (“com o incomparável e genial Charlot”) e, em “cinemascope”, em grande ecrã, “A Colina da Saudade, “Topaze”, “Austerlitz”.
Os realizadores, com a exceção de Hitchcock e de Bergman são omitidos (até Chaplin é apenas destacado como ator da sua obra prima!). Na primeira linha estão sempre
os atores (Audrey Hepburn, a deliciosa “Boneca de luxo”, ou Vittorio de Sica em “O
inimigo de minha mulher” e “O mundo dos milagres”). Tática compreensível, pois eram,
sobretudo, as grandes estrelas que chamavam as multidões. Naquele agosto a minha assiduidade no S Pedro terá sido uma constante.
Não assim em setembro de 81, com “Django”, “Mais forte que Bruce Lee” e similares…
Mas certamente terei visto, na muito musculosa seleção, Stuart Granger em “O
grande atirador”, Sean Connery em “007 Só se vive duas vezes” e Steve Mc Queen em
“Tom Horn”. Quanto ao Casino, de 1 a 10 de setembro de 1968, talvez não tenha perdido
o anunciado “filme dos três óscares” com James Gardner, Eva Marie Saint e Yves
Montand (“Grande Prémio”) e o Mr Solo “em ação, Implacável! Atrevido! Eletrizante”, segundo
o anúncio.
3 – Espinho é hoje, praticamente, uma cidade sem cinema! O São Pedro foi demolido,
barbaramente,na meia década de oitenta, e a moderna sala com que o Município garantia a sua continuidade, vendida, poucos anos depois, a uma dessas novas religiões…
E o Casino, que possui uma das mais belas e confortáveis salas de cinema do país, fechou portas, aparentemente, sem protestos de ninguém.
Resta, hoje, o imponente salão do novo “Centro Multimeios”, que, porém, na melhor
das hipóteses, propicia aos espinhenses, um filme por semana – quatro por mês! Mas
nem isso nos assegura, porque os hiatos na programação são frequentes e vistos como coisa normal. As prioridades são outras. O interesse pelo cinema parece limitar-se aos festivais – Cinanima, FEST – e ao cineclube.
Neste mês de dezembro, o FEST – Cineclube de Espinho exibiu, no Auditório do Casino seis filmes (nos dias 3, 7, 10, 14, 17 e 19). Foi muito mais do que o Multimeios! É de saudar e louvar, sem sombra de dúvida. Sou uma fã de cineclubismo, assim como dos Festivais, que mantêm Espinho no mapa. Todavia, isso não pode compensar a falta de regularidade e de diversidade da oferta, que são os fatores fundamentais de uma política cultural capaz de fomentar o gosto pela frequência das salas de espetáculos, a resistência ao declínio, para muitos fatal, das audiências. Eu estou entre os que não acreditam nessa fatalidade!
E não vou longe buscar exemplos que provem o contrário. Não penso, obviamente, nos “shoppings”, com a sua multiplicidade de salas, que, finda a pandemia, vão recuperando
público. Não são solução para a nossa cidade, que, neste campo, não vai além de supermercados do ramo alimentar.
Mas há, aqui bem perto, no centro do Porto, paradigmas admiráveis, apostas em salas de dimensão modesta, perfeitamente ao alcance de Espinho – o cinema Trindade e, agora, neste final de 2022, o mítico Batalha ressuscitado. O futuro do Batalha está apenas a dar os primeiros passos. É cedo para celebrar o seu sucesso. O do Trindade, que, com duas pequenas e excelentes salas, prossegue, há anos, uma programação de qualidade. E em quantidade! Hoje, 5ª feira, 29 de dezembro, jogando com diferentes horários, têm sete filmes em exibição: “Os Fabelmans” de Spielberg, os portugueses “O Natal de Bruno Aleixo”, e “Lobo e cão”,
um filme premiado em Veneza, “Ossos e tudo”, a comédia “Ruído branco”, a evocação da Imperatriz Sissi em “Corsage” e o thriller sul-coreano “Decisão de partir”.
Eu gosto muito de ir ao Trindade, mas confesso que gostaria mais de ver algumas dessas longas metragens, aqui, em Espinho. E nem peço sete por dia. Em 2023, para começo, apenas um ou dois.
Manuela Aguiar
Ex-vereadora da CM Espinho e secretária de Estado das Comunidades