Portugueses felizes e satisfeitos com diminuição do bem-estar!?

Possivelmente de volta à psicanálise de um país bipolar, entre queixumes e resignação, entre a ambição e a satisfação pela estagnação e imobilismo de um contentamento ilusório de que tudo permanecerá… acreditando que a bonomia virá, mesmo que não se faça nada por tanto para vir…

Os portugueses dizem-se felizes ou muito felizes e também satisfeitos ou muito satisfeitos com as suas vidas. Esta é uma das conclusões de um estudo recente do Observatório da Sociedade Portuguesa da Universidade Católica, segundo o qual a grande maioria dos inquiridos dizia sentir-se feliz ou muito feliz (80,0%) e também satisfeito ou muito satisfeito (79,1%) com a sua vida, e com uma apreciação globalmente satisfatória reflectida na apreciação sobre a qualidade de vida, que cerca de 60% dos inquiridos classificam
boa ou muito boa.

De igual modo, as conclusões de um outro estudo publicado em 2022 (Inquérito à Satisfação dos Residentes na Região Centro, promovido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro) revela que 72% dos residentes na Região Centro estão
globalmente satisfeitos com a sua vida, corroborando os dados do estudo a nível nacional realizado pelo Observatório da Sociedade Portuguesa.

Nos motivos de insatisfação, as dificuldades financeiras /custo de vida elevado (32,8%), as remunerações e reformas baixas (22,5%) e os problemas de saúde (18,1%) são as três principais razões apontadas pelos inquiridos, a que se seguem as políticas governamentais (7,8%) e o desemprego (6,9%).

Estes são dados publicados em 2022, relativos a 2021 e 2022, e que reflectem a situação mais recente da percepção da população, após o período pandémico, durante o qual a situação das condições materiais de vida, a qualidade de vida e o bem-estar se degradaram significativamente.

“A deterioração das condições materiais de vida expressase em resultado das quebras significativas nos domínios da vulnerabilidade económica”

Os motivos de descontentamento não parecem ter o peso significativo do que se poderia expectar, perante um cenário de deterioração do bem-estar generalizado da população, a qual segue apresentando percepções de felicidade e de satisfação pelas suas condições de vida
em níveis muito apreciáveis.

Com efeito as condições materiais de vida e a qualidade de vida têm vindo a deteriorar-se, significativamente desde 2019, piorando o índice de bem-estar de ano para ano, do período pré-pandémico para o pós-pandemia.

O índice de bem-estar, publicado anualmente pelo INE, disponibiliza de forma regular resultados que permitem acompanha a evolução do bem-estar e progresso social em duas perspectivas determinantes relacionadas com as condições materiais de vida das famílias e
com a qualidade de vida.
O bem-estar é geralmente definido pela presença do melhor padrão de qualidade de vida no sentido mais amplo do termo, cujo conceito abrange, não só as condições materiais de vida, mas também outros factores explicativos do nível de qualidade de vida, nomeadamente
relacionadas com o enquadramento ambiental, com a saúde robusta, bom nível educacional, equilíbrio no uso do tempo, em particular no balanço vida-trabalho, vitalidade da vivência em sociedade, bom nível de participação democrática e o acesso e participação em actividades
culturais e de lazer’ (INE).
Ora, os dados mais recentes do índice de bem-estar, publicados em Dezembro de 2022 pelo INE demonstram uma deterioração do índice de bem-estar de 2019 para 2021 (-1,5), em resultado de uma descida pelo quinto ano consecutivo do índice de qualidade de vida, a deteriorar- se de 2016 a 2021 (-0,8 entre 2019 e 2021), e de uma descida acentuada do
índice das condições materiais de vida, com uma queda de-3,2, de 2019 a 2021.
A deterioração das condições materiais de vida expressa-se em resultado das quebras significativas nos domínios da vulnerabilidade económica (-5,3) e da diminuição do bem-estar económico (-3,3), à qual se acrescenta igualmente uma menor condição perante o emprego (-0,9).
A quebra do índice de qualidade de vida tem vindo a revelar-se ao longo de mais cinco anos, embora de forma diferenciada nos domínios de análise: o balanço vida-trabalho, que vem registando quebras consecutivas ao longo dos últimos seis anos, apresenta uma redução de -2,1 (2019-2021); as relações sociais e bem-estar subjectivo evidenciam uma tendência de diminuição há três anos, com uma redução de -2,6 (2019-2021); e a participação cívica e governação regista a maior quebra de entre os domínios em análise no período 2019-2021 (-3,6), caindo há quatro anos consecutivos.
Sendo certo que a crise pandémica veio introduzir alterações significativas aos indicadores dos domínios que contribuem para os índices de condições materiais de vida, da qualidade de vida e de bem-estar, é também certo que alguns domínios evidenciam uma tendência de degradação bem anterior ao surgimento e ao escalar da pandemia.
O índice de qualidade de vida, que se vem degradando desde 2016, tem registado tendências de degradação das condições do balanço vida-trabalho, que se vem deteriorando desde 2015; a participação cívica e governação desde 2017; e as relações sociais e bem-estar subjectivo
desde 2018.
O domínio vulnerabilidade económica é um dos que dos que apresentam a evolução mais desfavorável ao longo do período, reflectindo os valores francamente baixos dos indicadores da pobreza.
A capacidade de conciliação entre o tempo dedicado ao trabalho e as outras vertentes da vida pessoal, como a família, os amigos ou o lazer em geral, é um importante factor de caracterização do bem-estar. A conciliação vida-trabalho tem vindo a diminuir em resultado da
evolução desfavorável do índice de conciliação do trabalho com as responsabilidades familiares, e do desempenho do indicador relativo aos trabalhadores que trabalham mais de 49 horas por semana.
Relativamente à perspectiva da qualidade de vida, os cinco indicadores mais afectados são os relativos ao índice de consumos culturais, à taxa de intensidade de pobreza, à taxa de risco de pobreza, à desigualdade na distribuição do rendimento e ao índice de participação em actividades públicas.
Com a deterioração das condições materiais de vida, da qualidade de vida, e do bem-estar, em vários domínios e indicadores, têm os portugueses motivos para tamanha percepção de felicidade e satisfação pelas suas vidas?

Tito Miguel Pereira

(Consultor)

Escrito em desacordo ortográfico