Numa altura em que os professores desencadeiam uma luta nacional, fomos perceber as principais razões para as constantes greves. Para além de melhores salários e contagem de tempo de serviço, a eterna deslocação para fora das zonas de residência são dos principais problemas apontados pela classe. Os exemplos de Paulo Tavares e Rosa Moreira que dão aulas em Espinho e da espinhense Susana Marques, que leciona em Mira, são iguais a tantos outros.

Paulo Tavares é professor há mais de 20 anos e mora na Gafanha da Nazaré. É educador de infância, mas acabou por se licenciar em Português e História, disciplinas que atualmente leciona no Agrupamento de Escolas Dr. Manuel Laranjeira, como professor contratado.

Começou a trabalhar no setor privado e por lá ficou durante 12 anos. Contudo, admite que esse processo acabou por ser “uma perda de tempo pois o tempo de serviço nunca me foi contabilizado”. O professor explica estar arrependido por ter enveredado por essa via no ensino e lembra que “ganhei experiência e algum dinheiro”, mas “tal como eu, muitos fomos atraiçoados pelo funcionamento do sistema”.

Vendo que o caminho seria a via do ensino público, Paulo fez o mestrado em Português e História, tendo em perspetiva uma carreira de docente condigna com as suas expectativas. “Gosto de ser identificado como professor e investigador em História porque sou um homem dessa área e de histórias”, explica. É essa paixão que o faz percorrer longas distâncias de sua casa e deixar o conforto do seio da sua família (mulher e filhos) para dar aulas.

No seu percurso diário entre a estação ferroviária de Espinho e a Escola Dr. Manuel Laranjeira, Paulo Tavares vai aproveitando para ver aquilo que está ao redor, dando atenção a alguns pormenores que se relacionam com a sua área na educação, nomeadamente, algum património histórico desta cidade. No entanto, confessa que não tem tempo para mais, uma vez que o caminho diário de sua casa, desde as seis da manhã, é demasiado penoso. Está longe dos filhos e da família e regressa a casa o mais depressa que pode. Por isso, pouco conhece de Espinho.

“Durante o meu percurso reparti a minha experiência como professor por várias escolas, em terras tão díspares como Loures, por exemplo. Tenho família e nunca quis estar a pagar duas casas e a ser pai e marido apenas ao fim de semana ou uma vez por mês”, conta Paulo Tavares satisfeito por, agora, estar um pouco mais próximo de sua casa.

Mesmo assim, o tempo que passa diariamente em deslocações é imenso e a distância causa-lhe algumas perturbações e instabilidade fruto da situação precária dos professores contratados. “Atualmente não é um bom tempo para se ser professor porque as relações entre as várias tutelas e os docentes e não docentes, foram-se deteriorando estando, neste momento, num ponto sem retorno”, considera Paulo Tavares. “Sabemos que qualquer coisa irá mudar e que nada poderá ficar na mesma, mas estas relações estão de tal modo imprevisíveis que não é fácil manter um discurso de racionalidade sobre a educação e sobre a escola”, prossegue.

Professor contratado há 20 anos mantém-se no primeiro escalão numa carreira sem perspetivas. “O Estado, comigo, nunca cumpriu a lei geral que, ao fim de três contratos obriga a que qualquer trabalhador entre nos quadros da empresa”, constata, acrescentando que já não se recorda de quantos contratos de trabalho com o Estado fez na sua vida. “Cheguei a ter quatro contratos num ano e cheguei a estar a lecionar em várias escolas ao mesmo tempo para completar horário e para ter um vencimento condigno”, confidencia.

“Não existe grande sensibilidade para quem é de longe! Não existe disponibilidade para atender ao sofrimento e aos pequenos problemas do professor, do ser humano”, afirma o docente referindo que no seu caso perdeu a primeira infância dos seus filhos. “Sinto que nunca mais irei ter essa vivência, por muito próximo que estivesse dos meus filhos sentimentalmente”, lamenta.

Mas, afinal, para que serviram todos estes sacrifícios? “Foi uma aposta que valeu a pena, sobretudo porque os meus filhos reconhecem este esforço que fiz em prol da minha carreira e deles próprios. Curiosamente, nenhum dos meus filhos quis seguir a profissão de professor”.

A mulher de Paulo Tavares é educadora de infância e optou por ficar no ensino privado e não pretende enveredar pelo ensino público por tudo o que isso implicaria para as suas vidas. “Ela sabe muito bem aquilo que sofro, diariamente, nas minhas deslocações para longe de casa”, diz.

“Embora Espinho e Ílhavo sejam terras próximas, a distância acaba por ser longa. Desloco-me, todos os dias, da Gafanha da Nazaré para a estação de comboios de Aveiro e de lá para Espinho. Levanto-me antes das 6 horas da manhã para conseguir estar na escola às 8 horas. Utilizo o comboio porque de outra forma, nomeadamente com automóvel, isso seria insustentável”, confessa, acrescentado que se utilizasse viatura própria, um terço do seu ordenado seria para essas despesas. “Penso que, cada vez mais, é propositada aquela ideia de que um professor paga para trabalhar. Isto para quem é contratado há 20 anos é demasiado penoso”, afirma.

Artigo completo na edição de 2 de fevereiro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.