Fernando Luís escreveu uma das páginas mais bonitas da história do voleibol do SC Espinho e da modalidade a nível nacional. O treinador foi um dos obreiros da conquista da Top Teams Cup, em 2001, o único título europeu de um clube de voleibol em Portugal. Atualmente com 79 anos de idade, Fernando Luís regressou ao clube e para ser treinador adjunto de uma equipa feminina. “Ninguém deve perder a dignidade, independentemente do estatuto que tenha”, diz o professor de Educação Física e mestre a contar estórias.
Com um currículo desportivo enorme, Fernando Luís esteve na guerra do Ultramar, na Guiné, e fez o curso de comando. Trouxe várias condecorações e recordações do serviço militar, mas exibe com grande orgulho o seu palmarés desportivo, onde se afigura com grande destaque a conquista da Top Teams Cup, em 2001. Sem papas na língua, o carismático treinador mostra com emoção o emblema de ouro do “seu” Sporting Clube de Espinho, oferecido pelos feitos como jogador do clube e antes de partir para África. Fernando Luís é natural de Massarelos, no Porto, mas foi residir para Vila Nova de Gaia, próximo da Serra do Pilar, antes de escrever um percurso desportivo na cidade de Espinho.
Sempre praticou desporto!…
O meu pai era técnico de contas e a minha mãe era criada de servir. Depois de casarem, a minha mãe passou a doméstica e o meu pai prosseguiu na sua profissão.
Antigamente, não havia clubes com formação desportiva. O meu desporto era praticado na rua, com os amigos, nomeadamente o futebol, com uma bola feita de trapos. Não gostava de estudar e eram estas brincadeiras, em plena estrada, que me consolavam. A bola trapeira era feita com papel de jornal, embebido em água e farinha que fazia a cola e era envolvida em trapos e numa meia de vidro de senhora. Não tínhamos bolas como têm as crianças de hoje!
Mais tarde, comecei a frequentar as praias do rio Douro, do lado de Vila Nova de Gaia, entre as pontes D. Luís I e Dona Maria Pia. Numa dessas praias era onde nadavam os atletas do FC Porto. Comecei a nadar ‘à cão’ e fui aprendendo a nadar com estilo. O treinador do FC Porto perguntou-me se queria ir para lá e aceitei. Tínhamos uns calções especiais e isso fazia com que me sentisse vaidoso. Mais tarde, conheci o Mário Santos – cujo filho era o presidente da Federação Portuguesa de Canoagem – e comecei a praticar K2. Treinávamos um ano só para descermos o rio Sella, em Espanha. Mais tarde, joguei voleibol na praia de Lavadores. Tinha boas mãos, fui treinar ao FC Gaia e fui o primeiro a fazer passes para segunda linha! Na altura, já fazia passes de frente e de costas. Comecei como um analfabeto, voleibolísticamente falando.
Como foi parar ao SC Espinho como atleta?
Em 1958, o professor Geraldo Brandão levou-me para o SC Espinho. Ele era meu colega no curso de Educação Física no Porto. Cheguei lá e gostaram de mim. A partir daí, preocupei-me com a musculação no Ginásio Alter do Porto. Para saltar, sabia que tinha de ter força nas pernas. Confesso que comecei a ficar com o corpo musculado e gostava de me mostrar na praia. Na Escola de Gaia, estavam nomes de jogadores como Rolando de Sousa, José Salvador, Carlos Padrão e o Paço Rodrigo, que me ia buscar ao café Mucaba num Fiat 600.
Não gostava de rematar e treinava junto à minha casa, na rua. Havia um sinal de proibição de virar à esquerda e treinava ali o remate. Batia na parte superior desse sinal e, um dia, fiz um golpe enorme na mão. Com estes treinos, consegui saltar e segurar um aro de um cesto de basquetebol, a 3,05 metros de altura! Foi esse o meu cartão de visita no clube.
Eles puseram-me a jogar na Zona 3 e não tocava na bola. Não era essa a minha vocação. Era distribuidor.
Um dia, a fazer um salto, caí em cima do pé do Salvador. Foi para o hospital e foi operado. Fui visitá-lo e ele disse-me para não me preocupar, porque estava a passar umas férias!
O Belinho (Gabriel Gil) era muito inteligente a jogar e com o Rolando de Sousa resolvemos fazer a jogada quadragésima, diante o FC Porto, que tinha o professor Manuel Puga. Deixei de jogar na altura em que fui para a tropa, no Ultramar.
O SC Espinho está-me no coração até porque quando fui para a Guiné, na altura em que jogava, deram-me um emblema do clube em ouro, o qual guardo com muito carinho e estima.
Foi também no SC Espinho que começou a sua carreira de treinador…
Quem me deu muito a mão no SC Espinho, como treinador, foi o Carlos Padrão. E na Federação Portuguesa de Voleibol (FPV), foi o Rolando de Sousa. Gente de Espinho que acreditou em mim e no meu trabalho. Foram meus jogadores o Jorge Teixeira, Carlos Prata, Francisco Fidalgo, Luís Resende e tantos outros.
Um dia, fomos jogar à Póvoa de Varzim e o Toninho foi alugar dois táxis para nos levar. No primeiro set, os jogadores pegaram-se uns com os outros e decidi que vínhamos embora sem terminar o jogo. O Toninho não deixou, porque dizia que tinha tido muito trabalho a alugar dois táxis.
Como chegou ao SL Benfica?
Quem treinava o clube era o professor Nuno Barros, muito conceituado, e que tinha ganho sete taças de Portugal. Nunca ganhou um título.
Como era inspetor do ensino ligado ao desporto escolar, o Nuno Barros convidou-me a ir para Lisboa. Transferiram-me para lá, deixando a minha zona de conforto, no norte. Passei lá dois anos a morar num quarto, em Algés. O meu filho, Filipe, dormia no chão, num colchão, para me fazer companhia. Passava muitas horas a ver jogos de voleibol e a tirar apontamentos. Por Espinho, era no Concha que falavam nas táticas.
Como foi a sua saída como treinador do SL Benfica?
Era presidente do SL Benfica o Fernando Martins e tinha sido campeão de Portugal em masculino e no feminino entre 1980 e 1982. Pedi 80 contos [400 euros] e um apartamento T3 para lá continuar. Ele riu-se e disse-me que estava a pedir algo equivalente a um jogador profissional de futebol. Respondi-lhe que muitos desses jogadores, com esse ordenado, só treinavam e ficavam na bancada! Eu tinha sido campeão, ao conquistar o primeiro título para o Benfica e estava sempre a lutar pelo clube. Por isso, saí.
E depois disso, foi o hóquei em patins…
Fui para o hóquei em patins do FC Porto. O grande Vladimiro Brandão foi-me buscar, porque via como dava os treinos ao SC Espinho. Acredite que não sei andar de patins! Conquistámos o primeiro título do hóquei em patins do FC Porto.
O Ilídio Pinto, foi o melhor dirigente que tive na minha vida e só o posso comparar ao António Octávio, o nosso Toninho. Resolvia tudo na pastelaria Petúlia. Falou comigo ao balcão, com um papel na mão. O Vladimiro disse-lhe que me queria a trabalhar com o hóquei em patins e ele contratou-me para treinador-adjunto, pagando-me um bom dinheiro. Fiquei muito satisfeito.
Quando cheguei ao FC Porto, o Vítor Hugo conhecia-me do voleibol. Ele era um jogador fora de série e disse que eu era um paraquedista ali. Mais tarde, ele ia para o mar treinar comigo, para melhorar a sua condição física. No FC Porto usava as escadas do pavilhão das Antas para treinar a musculação. O melhor jogador do mundo, Daniel Martinazo, que jogava no Liceo da Corunha, veio saber como é que o FC Porto treinava! Os jogadores treinavam no campo de treinos do Estádio das Antas, à noite, a chover e descalços! Treino de comandos. Isto, há 40 anos, era uma novidade.
Artigo completo na edição de 30 de março de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.