Pedro Ferreira foi, antes de assumir o comando do Regimento de Engenharia número 3 de Espinho (RE3), um dos mais diretos colaboradores do almirante Gouveia e Melo no combate à pandemia. No dia em que a unidade militar sediada em Paramos completa 46 anos, o coronel de engenharia revela o percurso militar e explica por que razão escolheu, desde muito novo, o RE3 como unidade guarnição militar de preferência.
Nasceu em Vila Real, terra onde existe uma unidade militar de Infantaria de referência!…
Nasci em Vila Real, no centro histórico da cidade e a cerca de 100 metros da Sé Catedral. Fiz o percurso escolar por lá até aos 18 anos de idade, altura em que tomei a decisão de enveredar pela carreira militar. Não fazia a mais pequena ideia do que seria a vida militar até porque na minha família nunca ninguém tinha seguido essa carreira. Foi um salto para o desconhecido.
Como se lembrou de concorrer?
Vi uns panfletos que incentivavam os jovens a enveredar pela carreira militar, com hipismo e várias atividades desportivas. Pensei que seria algo interessante. Desde o dia em que concorri que acabei por me desligar das raízes da minha terra.
A cidade de Vila Real tem uma relação muito próxima com o Exército…
É verdade, devido ao Regimento de Infantaria 13. O pai de um amigo que estudava comigo no 12.º ano era sargento no RI13. Quando estávamos num café levou os panfletos. Estávamos na altura de decidir o rumo a seguir a nível universitário, mas nunca tinha tido qualquer relacionamento com militares. Mostrei os papéis aos meus pais que até acharam que se tratava de uma saída profissional interessante.
Por que razão não optou pela arma da Infantaria quando entrou para a Academia Militar?
Se tivesse optado pela arma da Infantaria hoje poderia estar a comandar o RI13 com muita naturalidade. Contudo, tinha um sonho de menino: ser engenheiro. Queria fazer casas, construir pontes… Consegui, através do Exército, conciliar o meu sonho com a minha carreira.
Antes de concorrer ao Exército ia candidatar-me à Universidade para tirar licenciatura em Engenharia Civil. E isso chegou a acontecer porque mantive os dois processos em curso. Candidatei-me ao curso de Engenharia Civil na Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro (UTAD) que tinha acabado de abrir. Fiz a provas de admissão à Academia Militar e correram bem. Porém, mantive o sonho de ser engenheiro e continuei inscrito na UTAD. Foi uma altura em que, ou entraria nesta arma ou deixaria a carreira militar para enveredar pela licenciatura de Engenharia na UTAD. Os meus pais pagaram-me as propinas durante um ano e, por isso, estava seguro. Ao final de um ano concorri à arma de Engenharia onde só existiam seis vagas. Segui a carreira militar na arma de Engenharia, que era, afinal, o que pretendia.
E fez a licenciatura dentro do Exército?
Completei o curso de engenheiro civil dentro do Exército e que tem uma diferença em relação a todas as armas pois conta com dois anos adicionais de estudos. Enquanto os meus camaradas de outras armas estão quatro anos na Academia Militar e vão para as escolas práticas para fazerem o tirocínio e ingressarem no quadro, os engenheiros só ao sétimo ano é que passam para a escola prática que, na altura, era em Tancos. Com estes dois anos adicionais somos reconhecidos pela Ordem dos Engenheiros. Sou engenheiro civil desde 1994, altura em que terminei o curso.
O panorama militar na altura era muito diferente do atual!… Portugal tinha vindo do 25 de Abril e de uma guerra colonial que terminara e não havia perspetivas de grandes conflitos militares, à exceção da guerra fria…
Nunca pensei muito nisso e era-me um bocado indiferente. O meu propósito era o de servir o país para aquilo que fosse necessário. No entanto, estou convencido de que se fosse noutros tempos conturbados em que estivesse iminente uma guerra, não seria por isso que não teria optado pela carreira militar. Tomei uma decisão livre, consciente e movida pelo espírito de querer servir e ser útil ao país.
No fundo, gostei da opção e da experiência que tive na Academia Militar. Até os meus pais me deixaram escolher aquilo que queria para a minha vida. Por isso, nunca me preocupei com a atualidade e por estarmos a viver esses tempos de guerra fria e de terem terminado as guerras coloniais. Não era por se prever ou visualizar algumas guerras de maior intensidade que segui o caminho militar. Ainda hoje, se for preciso, estou pronto para ir para qualquer lugar e estes mais de 30 anos de vida militar já me levaram a vários teatros militares, alguns com maior perigosidade.
Não me passa pela cabeça não partir para uma missão por receio porque sirvo os interesses do meu país.
Um engenheiro militar não constrói edifícios de uma cidade. O que faz um oficial de engenharia?
Não é verdade pois um oficial de engenharia também faz projetos de prédios. No meu caso, tenho alguns projetos de casas na minha região, em Vila Real. Quando lá vou, reconheço-os perfeitamente. Na fase final do curso, estamos com o saber da engenharia civil bem frescos e dispomos de todas as ferramentas regulamentares. Como jovem tenente ainda tinha alguma disponibilidade e desenvolvíamos projetos paralelamente à atividade militar. Era aos fins de semana que fazia os projetos e isso, naturalmente, envolvia sacrifícios.
Quando fui promovido a capitão percebi que não conseguia fazer mais esse trabalho. As responsabilidades foram aumentando e, por isso, larguei a engenharia civil para me dedicar por completo à militar.
Que funções são essas?
Um engenheiro militar faz tudo aquilo que as missões lhe atribuem. Em tempo de guerra faz um apoio ao combate com vários trabalhos. Numa ofensiva, os infantes e cavaleiros têm de avançar e a engenharia militar irá facilitar a mobilidade das forças. Por exemplo, atravessar um leito de um rio com meios de transposição de cursos de água, o lançamento de pontes militares a desminagem e a abertura de brechas… Mas há, também, os trabalhos de contra mobilidade como construir obstáculos e fortificar o terreno para dificultar a progressão das forças inimigas. Há trabalhos de proteção e construção dentro da parte militar.
E em tempo de paz?
Temos outras missões e valências, nomeadamente no apoio ao bem-estar das populações. Temos colaborações várias e o RE3, ao longo dos 46 anos de existência, já apoiou mais de uma centena de municípios portugueses de norte a sul do país. Atualmente estamos em Mira e em Espinho onde iremos começar o trabalho na extensão do areal das praias. Em Mira, além do trabalho nas praias, estamos a proceder ao desassoreamento e limpeza da rede hidrográfica da bacia do município com uma extensão superior a 17 quilómetros.
A área de atuação do RE3 em Portugal é muito grande?
Gostaria que a nossa intervenção estivesse focada para o Norte ou à área limite geográfica onde a unidade militar se insere. No entanto, hoje em dia há muita facilidade de movimentação e a prática tem demonstrado que as tarefas que nos são atribuídas são cumpridas em pleno.
Pelo país há dezenas de prédios militares que não estão a ser utilizados e serão alienados. Foi solicitado ao Exército várias ações de limpeza e desmatação, dando cumprimento à lei. Recentemente fui reconhecer prédios a Setúbal, Almada, Braga e Coimbra. O Exército só dispõe de duas unidades de engenharia militar e, por isso, as necessidades são distribuídas por os dois regimentos, o de Espinho e o de Tancos.
Estamos com muitas solicitações no que respeita a transportes para as várias unidades do Exército, transportando viaturas de combate para os vários exercícios para não irem a rolar pela autoestrada ou levamos, por exemplo, os obuses da artilharia para as várias cerimónias que se realizam no país.
Na altura em que fui colocado em Espinho, como capitão, recordo-me que a nossa área de atuação era entre Bragança e Coimbra. Atualmente isso não acontece.
Ainda se recorda da chegada a Espinho?
Para mim foi o dizer: finalmente! As minhas raízes estão em Vila Real e quando terminei os seis anos da Academia Militar casei. Escolhi Espinho como guarnição militar de preferência por ser a que estava mais perto da terra.
Fui fazer o tirocínio a Tancos em 1992 e fiquei lá colocado durante seis anos porque estamos sempre ao dispor da arma e do Exército. Eu e os meus camaradas de curso ficámos todos por lá.
A minha mulher engravidou nessa altura e tive o meu primeiro filho. Ela estava a trabalhar em Vila Real numa empresa alemã. Tivemos de tomar uma decisão e abdicou da carreira profissional. Por isso, ela é a heroína da minha vida porque esteve sempre na retaguarda, sacrificando-se para eu poder ter esta realização profissional. Pedi uma casa em Tancos e a minha mulher veio viver comigo. Vivi seis anos lá com ela, mas sempre na expectativa de vir para Espinho.
Chega a Espinho quando?
Como capitão fui colocado em Espinho em 1998 e foi nessa altura que comecei a olhar para a cidade e para os seus arredores. Comprei casa em Esmoriz e fui morar com a mulher e com os meus dois filhos. Isto deu-me alguma estabilidade familiar. Vim para a unidade com muita alegria, numa altura em que o comandante era o coronel Isaías Ribeiro. Fui comandar a companhia de comando e serviços para ganhar experiência e para conhecer melhor os cantos à casa.
Artigo completo na edição de 4 de maio de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.