ESPINHO CIDADE – Um olhar retrospetivo e prospetivo

1 – A celebração dos 50 anos da elevação de Espinho a cidade, a 16 de junho, foi uma festa bonita, que começou numa sessão de homenagem a 50 espinhenses. Passou, entre outros eventos, pela inauguração da sede da Associação Mulher Migrante no FACE (mais uma coletividade cuja sede “imigrou” para Espinho!) e terminou com o magnífico concerto de Xutos e Pontapés, a encher, por completo, o espaço que vai do Museu até ao mar. Numa noite de verdadeiro verão, a música intemporal uniu todas as gerações.
Inesquecível!

Ideia especialmente feliz foi convidar os 50 cidadãos distinguidos a responder a um questionário sobre as suas memórias deste meio século e o prognóstico em relação ao seguinte, que agora se inicia. As respostas estão agora expostas, sob a forma de cartazes, ao longo da rua 8, entre a 23 e a 15, onde, uns apenas metros abaixo, se situava a “Avenida”, percorrido por gente bem vestida e bem-disposta, que se entregava a uma forma singular de conviver, passeando devagar, entre palmeiras e esplanadas.

Refiz, ontem, essa curta trilha, entretendo-me a analisar, um a um, os cartazes, tão bem concebidos, na cor e no grafismo e, por isso, fáceis de ler. Cada um nos dá um retrato individual e subjetivo de vivências muito diversas, que, multiplicadas por cinquenta, se transformam num grande fresco coletivo, e contam, na primeira pessoa, a história da cidade e da gente, dos seus afetos e dos seus sonhos.
2 – Na minha leitura abrangente, embora apressada, procurei, sobretudo, as recorrências, as afinidades de lembranças e o balanço entre o que se perdeu, e já só existe na memória, e o que perdura e progride, e é esperança e desafio.

Há subjacente ao conjunto de testemunhos, um imenso orgulho na terra, nas facetas que a tornam única – a cidade/comunidade, a cidade moderna, cosmopolita, elegante, geométrica e
quase plana, a toponímia (de inspiração nova iorquina?), a dimensão, que permite ter tudo ao alcance de um passeio a pé, em menos de 15 minutos, a praia, a marginal, o mar, o pôr do sol…

Há frases que o sintetizam lapidarmente: “Espinho tem a beleza do mar”. “Toda a vida o mar foi meu companheiro”… As referências à identidade marítima de Espinho são inúmeras: a pesca artesanal, os barcos, a arte xávega, o peixe, rei na gastronomia, “as ondas do mar, mar de abrasão”, a piscina, outro exemplo de pioneirismo, nascida como a maior da península ibérica. Piscina cujo muro, todos os anos a força invernosa do oceano destruía isso antes da construção dos esporões, quando as invasões do mar em fúria levavam as casas, a terra, o areal…

A feira semanal, considerada a maior de quantas há no país, é também destacada em vários depoimentos, enquanto outros traços importantes do antigo. Espinho se recuperam em menções dispersas: o primeiro cinema, o rinque de patinagem, o aeródromo, o campo de golfe (pioneiro na Península), a Fotografia Evaristo, os girassóis ao longo da Avenida 8, as festas do Rio Largo, as reuniões da tertúlia dos médicos no Verde Gaio, as cantigas ao desafio na cave do Palácio, o Café Moderno, os bailes da piscina, os do salão dos bombeiros e os do casino, (sem esquecer, igualmente no casino, as “matinés”!), as festas de Nossa Senhora da Ajuda, com a feira das cebolas, a ponte com escadas de madeira, sobre o caminho de ferro, junto à estação, os quiosques, os comboios a correrem, no dia a dia, paralelamente à movida da Avenida 8…A Avenida é, justamente, destinatária da imensa maioria das rememorações nostálgicas, a unir todas as gerações que ainda a viveram plenamente. Há os que a elevam a ex-libris ou “símbolo da terra”, ou a elegem como o lugar “onde todo o Espinho se encontrava nos diferentes cafés” (o Espinho/ comunidade, o Espinho/tertúlia), ou a descrevem, com as suas palmeiras, as esplanadas dos cafés e bares, a música de vinil o dia inteiro.


E há os que lhe dão um toque mais pitoresco: “andava toda a gente a mostrar os vestidos”; “andar para a frente e para trás, era uma mostra das meninas, os pais sentavam-se nas esplanadas”; “os nossos vestidos de decote em barco e godés, a dar a volta aos olhos dos rapazes”…. Numa síntese perfeita em que todos os demais decerto se reveem, afirma um dos 50: “Nunca encontrei no mundo um lugar tão aprazível”.
A segunda posição na lista da nossa saudade vai para o Teatro São Pedro: “a perda do Teatro São Pedro, uma obra de arquitetura notável”; o “magnífico Teatro São Pedro”. Lembram-se dos filmes, do ritual festivo na companhia das famílias (“íamos todos ao cinema São Pedro”), ou dos amigos (“íamos lá ver umas cowboyadas”). Alguns dos mais velhos não resistem a desabafar o seu sentimento de perda: “Quando éramos jovens, Espinho tinha muita vida. Agora as coisas estão diferentes”; “Sou do tempo da música na Avenida e na esplanada”; “É com saudades que lembro a linha do comboio, a senhora da passagem de nível, que tão cuidadosamente olhava pela segurança de todos”; “a Senhora da Ajuda era um mar de gente”… E o enterramento da linha, sendo matéria diretamente pouco comentada, não deixa ninguém indiferente: para uns, significou o fim de uma era dourada, para outros um marco de crescimento.
3 – O Espinho do presente é saudado por quantos não encontram rival para a cidade onde vivem! Orgulham-se da sua tradição de modernidade, com novos e audaciosos equipamentos, como o Multimeios, o Museu, a Biblioteca, e com a esplêndida marginal, assim como dos clubes, do dinâmico associativismo, do nível das escolas, da Academia de Música, dos festivais…

O futuro é sonhado por quase todos com progressos que não descaracterizem os traços identitários. O acento tónico é posto, naturalmente, no turismo. O que não é contraditório, já que Espinho sempre soube compatibilizar o acolhimento dos visitantes com uma incomparável qualidade de vida, enquanto terra de residência, “cidade para as pessoas”. Muitos são os que apostam na evolução urbana com respeito pelo ambiente, manifestando preocupações ecológicas, assim como sociais (inclusão, intergeracionalidade, mais emprego, habitação mais acessível).
Para muitos, o amanhã de Espinho passa pela atração dos jovens, pelo estilo de vida saudável, pelo desporto (os desportos de sempre, como o voleibol, o hóquei em patins, a ginástica, e os novos, como o surf), pela renovação do tecido empresarial, pela Cultura. A vertente cultural destaca-se, claramente, nos prognósticos de expansão e prestígio da cidade futura!
Estas são as minhas primeiras impressões sobre a inédita exposição ao ar livre, com a qual Espinho, através da Câmara Municipal veio, uma vez mais, dar provas da imaginação e criatividade, que fazem parte da sua matriz.

Manuela Aguiar

Ex-vereadora da CM Espinho e secretária de Estado das Comunidades