O custo real da nossa t-shirt de cinco euros

Então parece que uma organização não-governamental descobriu que aquela nova ideia de entregar às grandes marcas da chamada fast fashion as roupas que já não usamos para que elas a reciclem e sejam vistas como super sustentáveis, amigas do ambiente e promotoras de uma esconomia ciruclar, e ainda nos ofereçam um voucher para gastar numa das suas lojas é…uma treta. Surpreendendo, diria eu, um total de zero pessoas.

Ainda que, como sabemos, haja malta que nem com factos lá vai, pelo menos alguém se deu ao trabalho de demonstrar como o greenwashing – quando uma empresa diz que tem atitudes super em prol do ambiente para parecer bem, mas, vai-se a ver e está a enganar os consumidores com estratégias de marketing (choque!) – está aí à frente dos olhinhos da malta que gostava de se redimir do pecado da “necessidade” constante de roupa nova.

O que a Chanching Markets Foundation fez foi usar air tags (dispositivos que enviam a localização) para rastrear peças de roupa em perfeitas condições, doadas a marcas como a H&M, a Zara, a Primark ou a Nike. E descobriu que a maior parte dos artigos ou foi destruída, ou deixada em armazéns ou enviada para revenda ou aterros em África. E há notícias que revelam que o mesmo acontece com grande parte dos artigos – novos – que devolvemos por alguma razão. Aparentemente é mais rentável do que reinseri-los no circuito e pô-los de novo à venda.

Entre os exemplares seguidos estão umas calças que, depois de doadas à C&A, foram queimadas num forno de cimento ou uma saia que, da H&M em Londres, viajou mais de 24 mil quilómetros (hum…a pegada ecológica) para acabar num terreno baldio no Mali. Numa outra investigação, seguindo o mesmo método, a Reuters encontrou na Indonésia umas sapatilhas que haviam sido entregues a uma gigante petroquímica americana para reciclagem e construção de parque infantis.

Mas, ei!, eu fiz a minha parte consciente. Doei o que não uso para comprar o que não vou usar daqui a uns meses. A Agência Portuguesa do Ambiente diz que os portugueses deitam 200 mil toneladas de roupa para o lixo todos os anos. A lógica parece perfeita e, a partir dali, a coisa já não é comigo, a responsabilidade está do lado das marcas. Mas a história que os números contam é a de que, a cada segundo, um camião de lixo de roupas é queimado ou enviado para aterros, onde, no caso de tecidos não biodegradáveis, pode ficar até 200 anos.

Claro que nenhuma das marcas de fast fashion que nos pede as roupas para reciclar apresenta qualquer registo público do processo que promete. A associação Zero analisou as lojas online de 35 grandes marcas de roupa e percebeu que só seis assumem responsabilidade parcial pelos resíduos que geram.

E esse é, precisamente, um dos critérios essenciais que deveria orientar as nossas escolhas em matéria de consumo. À partida, doar roupa para instituições de solidariedade pode ser uma boa solução…mas apenas se elas estiverem com essa necessidade. Fazer limpeza aos armários e despachar sacos de roupa, acreditem, não é muito agradável para quem tem que armazenar, triar e fazer chegar doses industriais de artigos (e, já agora, vale sempre aquela máxima do “se não me serve a mim também não serve aos outros. Doar estragado é falta de respeito).

Isto quando a roupa – dita necessária, sublinhe-se – chega mesmo onde é necessária. Porque, depois do greenwashing, há as toneladas de roupas doadas “para caridade” que acabam vendidas nos mercados africanos, prática que não parece ser de grande estímulo para a indústria têxtil destes países – Gana, Nigéria, Quénia – se estes sacos de roupa usada são muito mais baratos.

Destas muitas toneladas, na verdade, metade é lixo porque não está em condições. Os países ricos livram-se dos resíduos e os pobres veem os seus rios e mares tornarem-se autênticos depósitos de roupa, que, além de tudo, traz mais aquela chatice com que agora parece que também temos de nos preocupar que são os microplásticos de que são feitas as pechinchas que adoramos acumular (e deitar fora). A Europa e a Ásia Central despejam nos oceanos, todas as semanas, o equivalente a 54 sacos de plástico em microplásticos por pessoa. Há quem lhe chame “colonialismo ambiental”. Mas chamar colonialismo ainda dói a muitas almas, vamos com calma.

O outro critério, o primeiro da lista, é ainda mais simples, na verdade. Basta ser honesto perante a questão: “preciso mesmo de comprar isto?”. Comecei a fazer esse exercício há uns anos e, adianto-vos já a resposta, 90% das vezes disse que não. E olhem que não me tem faltado roupinha para vestir, entre coisas em segunda-mão e a escolha de coisas feitas de forma mais consciente ou, pelo menos, em Portugal, que já diminui a pegada da peça para chegar a mim e – à partida – sempre paga melhor a quem a fez (não tenho caractéres suficientes para falar aqui do trabalho escravo de quem faz as nossas roupas).

É que, talvez não saibam, mas a indústria têxtil – desde a produção, fabrico, transporte e uso (lavar, secar e engomar) – é uma das mais poluentes do mundo. A este ritmo, em 2030, serão precisos 118 mil milhões de metros quadrados de água para satisfazer as nossas “necessidades” de roupa nova. Só uma t-shirt “gasta” quase três mil litros de água. O processo “oferece”, ainda, a emissão de 2.791 toneladas de CO2 e 148 milhões de toneladas de desperdício (não se preocupem, este vai parar aos países pobres). Portanto, aquela “t-shirtzinha básica” que temos em várias cores e que para o ano trocamos por outra custa bem mais do que cinco euros. A quem a faz. Ao planeta. E, por esta lógica, a nós próprios.

Cláudia Brandão

Colunista