Da subversão do princípio da subsidiariedade ou da inusitada forma de governar

Subjaz, ao longo dos últimos anos, uma inopinada forma de governar em domínios vários, que estão sob a condição de coordenação política e de administração orgânica de topo, a que obedeceria a qualificação do território e das suas populações, da coesão económica e social de todo o território nacional.

Esta forma de governar é a de não governar. A de deixar de coordenar, planear e executar programas e investimentos necessários ao bem-estar social e económico das populações, baseados na coesão do território nacional.

A não determinar necessidades, a não realizar programações e a não priorizar investimentos adequados aos recursos disponíveis, obviamente efectuando escolhas em detrimento de outras, porquanto há necessidade de acomodar investimentos aos recursos disponíveis.

A maior parte das vezes, trata-se de escolher e priorizar o indispensável para realizar face, não à disponibilidade dos recursos, mas gravemente à indisponibilidade de meios e recursos.

Dos domínios da educação à saúde, da acção social, da segurança, entre outros, são inúmeros os exemplos de investimentos nunca realizados, adiados, ou de expectativas legítimas das populações nas suas comunidades de verem satisfeitas condições necessárias à qualificação dos territórios e do bem-estar das suas populações.

Permitamo-nos enumerar alguns exemplos:

1. Município substitui-se ao Estado no apoio a instituições sociais para garantir bem-estar de cerca de 100 cidadãos seniores, no montante de 50 mil euros /ano, apoio que a administração central, mais concretamente a Segurança Social, deveria fornecer no âmbito das respostas sociais que está na sua alçada.

2. Autarquia assume remodelação do Palácio da Justiça: a Câmara Municipal deu um passo importante para desbloquear o impasse do Tribunal que tem aguardado por desenvolvimentos há vários anos. O executivo aprovou um protocolo de colaboração a celebrar com o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça. Na prática, a Câmara disponibiliza-se para elaborar e suportar os custos do projecto de execução, que tem uma estimativa de 500 mil euros, bem como realizar a respectiva empreitada, num investimento de 11 milhões de euros.

3. A Câmara Municipal está a recuperar uma antiga escola para acolher o Tribunal. A construção do Palácio da Justiça era uma ‘novela’ que já vinha de 1995. A Autarquia assumiu a responsabilidade de realizar as obras depois do Ministério da Justiça ter comunicado que “não tinha dinheiro”. As obras vão custar 250 mil euros, mais IVA, admitindo a autarquia que está a prejudicar outros investimentos da sua responsabilidade.

4. Câmara substitui-se ao Estado na fixação do Instituto Politécnico no Concelho. Laboratório de Inovação e Sustentabilidade Alimentar do Instituto Politécnico começou a ser construído. Investimento de 4 milhões de euros assumido na íntegra pela Câmara Municipal, representa um “esforço financeiro muito significativo para o Município”. Ministra destacou que o investimento só foi possível de concretizar “porque o Município se substituiu ao Estado”. Ao avançar com recursos próprios, “o Município dá um exemplo ao país”.

5. Câmara Municipal atribui apoio financeiro de 1,15 milhões de euros para intervenção no Serviço de Urgência do Hospital. “As pessoas reconhecem e queixam-se da necessidade de uma intervenção urgente, principalmente, no Serviço de Urgências do Hospital. Este é um serviço crítico e existem graves limitações do espaço disponível para o seu normal funcionamento e daí esta comparticipação da Câmara”. Desta forma as obras podem avançar no imediato, sendo “fundamental a questão da saúde para as pessoas”.

6. As obras de requalificação da esquadra da PSP vão custar 1,6 milhões de euros. A obra será assumida e paga pelo Município, que depois será ressarcida dos gastos.

7. A esquadra era aguardada há duas décadas pela população. O Município cede o terreno, será responsável pela elaboração dos projectos de execução, e assumirá a posição de dono da obra, no valor de doi milhões de euros, cedendo o edifício por contrato de comodato, por um período longo à Administração Interna.

Sete exemplos com óbvias semelhanças e aspectos comuns: carência de investimentos, muitos deles com décadas de latência, e não satisfeitos, que o Governo e a Administração Pública Central não cuidaram.

O que restará assim às comunidades locais? Pelo menos daquelas que desistem de esperar? Daquelas que porventura terão capacidades e recursos locais para satisfazerem tais necessidades? E de tantas outras que chamando a si a capacidade de financiarem certos investimentos, condicionam, claro está, a sua capacidade de realizarem tantos outros, tão mais necessários para as suas comunidades?

Será esta a forma de governação de subsidiariedade, que o que mais não faz é fazer com que as comunidades locais se cansem de tanta espera, face à inércia do Governo e da Administração Publica Central, e paguem duplamente os investimentos que lhes serão necessários e/ou devidos?

Duplamente sim, porquanto já no seu cumprimento de cidadãos efectuaram as suas contribuições para que o Estado, na sua organização, cumpra o seu papel na sua distribuição e programação adequada ao território e às suas populações, pagando de per si, investimentos que seriam assegurados de forma difusa por todo o Estado ao qual competiria esse poder redistributivo?

O que fazer às comunidades, quando estas não têm os recursos de outras, e não se podem substituir ao Governo e à Administração Pública Central?

Que estranha forma de governar o território é esta que governa por leilão, na estratégia de desesperar as comunidades locais, baseado no “Queres? Paga tu?”

E pasme-se, quando são mesmo os governantes que saúdam esta forma de governar, confirmando que o investimento só foi possível de concretizar “porque o Município se substituiu ao Estado”. Ao avançar com recursos próprios, “o Município dá um exemplo ao país”.

Certamente seria um exemplo inopinado de assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva: Queres um Hospital? Paga! Queres uma esquadra de Polícia? Paga! Queres um Tribunal? Paga.

E, seguramente que dão exemplos ao país. Um exemplo de inconformismo perante a inoperância do Governo e da Administração Pública Central. E um exemplo de incompetência no governo da coisa pública: não fazer nada, e decidir apenas sobre os investimentos que as comunidades locais estão disponíveis para pagar por si.

Dá, seguramente, um exemplo. Um triste exemplo do desgoverno!

(Escrito em desacordo ortográfico.)

Tito Miguel Pereira

Consultor