Uvas Alvarinho em Ponto Pé de Flor

Em época de vindima vêm-me à memória estórias nostálgicas em torno das uvas.
Estás a ver, minha pequenina? A agulha inclinada é colocada precisamente aqui e, depois, mais adiante … assim…vá, experimenta tu!
– Não consigo, avó!
– Consegues sim, é preciso insistir.
– Ai, gritava eu contrariada, lá foi o dedal!

De novo ele era ajustado ao meu dedito, auxiliado por um paninho enrolado em ternura.
– Não pode ser sem o dedal? Perguntava eu incomodada com aquele objeto estranho.
– Não, respondia a avó Mariazinha, exímia bordadeira, perfeccionista e rigorosa na execução de uma arte que lhe foi transmitida como legado de família – os bordados, as rendas e o tricô. Daí os meus lençóis de menina, chambrinhos, carapins, casaquinhos e gorros, todos foram feitos com aquelas mãos de fada da avó! 

– Tem mesmo de ser assim? – insistia eu, aguardando uma resposta favorável.
Mas logo a avó respondia:
– Tem mesmo de ser assim. Tal como as uvas que nascem nas nossas videiras são cuidadas de forma tão precisa e rigorosa, para serem o nosso orgulho pelo bom vinho que nos dão, também estas uvas, aí desenhadas no linho alvo, obedecem a rituais que não podem ser ultrapassados. 

Para tudo é preciso persistência, rigor, precisão, e uma grande dose de paixão. Quando as coisas são feitas de qualquer maneira, não dão certo. Assim foi a minha lição nesse dia de verão onde, lá fora o sol escaldava, mas a salinha com vista para o vinhedo envolvia-nos com uma abençoada lufada de ar fresco, propícia à aprendizagem. Mais um dia de treino, fazendo e desfazendo, até à perfeição. Não se brinca com a avó Mariazinha. E ela tinha mesmo razão!

Quando pensamos no rótulo para o nosso vinho Quinta de Santiago, neste nosso projeto familiar, não tivemos dúvidas: tinha de ser um bordado que tivesse as marcas do Minho e da nossa avó

Aos poucos, o pano foi ganhando cor e, em realce, ficaram, em ponto pé de flor, as pequeninas e douradas uvas, envoltas, de forma harmoniosa, por parras em tons de verde amarelado. Era o retrato fiel, pormenores retirados do cenário real do vinhedo da Quinta de Santiago. Lá fora, as uvas da casta Alvarinho l, pequeninas e douradas, com parras esvoaçantes e protetoras, brilhavam ao sol intenso de um agosto melancólico, aguardando já a chegada da vindima… O pano bordado ficou uma perfeição!

– Conseguiste! – elogiou a avó! Sabes como se vê que está plenamente perfeito? Viras do avesso e o traçado dos pontos é praticamente igual ao da frente… Reparei com os meus olhitos, espantados que pouca diferença havia do direito e do avesso. Uma obra prima, sussurrei para mim própria, orgulhosa de tamanho feito.

– Obrigada, avó, por me ensinares a importância da perfeição, mesmo nas coisas pequenas e quase invisíveis. A perfeição foi o teu lema, mulher minhota, cheia de garra!

Os seus bordados, tal como a vinha que tratava e o vinho que fazia, eram também a busca intensa pela perfeição. Foi este o seu legado, espero poder prossegui-lo sempre. O tempo passou e, mais tarde, quando pensamos no rótulo para o nosso vinho Quinta de Santiago, neste nosso projeto familiar, não tivemos dúvidas: tinha de ser um bordado que tivesse as marcas do Minho e da nossa avó!

E foi assim escolhido para a homenagear – um coração bordado com o slogan: a arte de bordar um vinho! Ele simboliza aquela sua inesquecível e sábia máxima: em tudo é preciso paixão e perfeição!

Arcelina Santiago
Professora