“Gostaria que houvesse um só clube e que todos trabalhassem para o mesmo”

Fotografia: Francisco Azevedo

António Gomes da Silva nasceu em Guetim e aos 85 anos ainda se recorda dos tempos em que jogava à bola num campo improvisado, próximo da rua da Igreja e da Gruta da Lomba. Foi lá que construiu uns balneários para que os jogadores pudessem trocar de roupa e não o fizessem no pinhal. Mais tarde, foi o impulsionador do atual campo de futebol da freguesia, promovendo a construção com a Junta de Freguesia. A sua vida foi de trabalho e de desporto, jogando no SC Espinho e no Paços de Brandão e, claro, no seu AD Guetim. Foi a paixão pela terra que o levou a fazer várias obras na terra que o viu nascer.

Como se iniciou no futebol?
Dava um jeito na bola. Era uma criança quando fui treinar ao SC Espinho. No final do treino, queriam que fosse à sede do clube, que era junto ao Cine Teatro S. Pedro, para assinar pelo clube. Como ainda era um miúdo não o podia fazer sem a autorização dos meus pais. Fui ter com o meu pai que estava a trabalhar em casa, pois era carpinteiro, para lhe pedir para me deixar ir para o futebol. Ele perguntou-me onde tinha ido e respondi-lhe que tinha ido treinar ao SC Espinho. Ele pegou num barrote de madeira e correu atrás de mim para me bater porque tinha faltado à missa para ir ao treino de futebol. Foi por isso que deixei de treinar no clube.

Mas jogava futebol com os amigos?
Sim. Tínhamos o campo de futebol na zona onde o António Leitão construiu a sua moradia. Aí é que era o campo de futebol de Guetim onde se realizavam torneios. Mas as condições para jogarmos ali eram muito más e tínhamos de nos equipar no pinhal. Fazíamos isto com chuva e mau tempo.

Como eram feitos esses torneios?
Vinham a Guetim as equipas para jogarem contra nós e havia troféus para os vencedores. Não se tratavam de jogos oficiais, mas ganhávamos tudo com a malta da zona.

Como era esse campo de futebol?
Cheguei a trabalhar na fábrica da conserva [antiga fábrica Brandão Gomes] e dava-me bem com o gerente. Eu já tinha uma motorizada Florett e emprestava-a ao gerente para ele dar uma volta. Nessa altura, tinham feito uma remodelação da fábrica e retirado as chapas do telhado para as substituírem por fibrocimento. Pedi-lhe que oferecesse o material velho ao Guetim FC para fazermos uns balneários. O falecido Manuel da Areia levou todos os materiais para o campo de futebol. Com alguma madeira que sobrou das obras da fábrica fizemos os balneários. Arranjámos um reservatório para a água, para podermos tomar banho depois dos jogos.

Há alguma estória que se lembre no primeiro campo de Guetim?
Um dia queríamos fazer uma festa para angariar fundos para o clube, mas tínhamos de pedir uma autorização para Lisboa, para a Direção-Geral dos Espetáculos. Não tinha pedido essa autorização. Fui malandro e fui à Câmara Municipal de Espinho perguntar se não tinham por lá uma correspondência com a autorização. Eu já sabia que não havia nada, mas insisti. Disse-lhes que tinha tudo pronto para a festa, com a orquestra e que precisava dessa autorização. Eles telefonaram para Lisboa e… nada. Naquele tempo ainda havia a figura do regedor que, por acaso, era o dono do campo. À noite, a orquestra começou a tocar e veio alguém dizer-nos que o abade tinha mandado parar a atuação da orquestra. Como não tinha a licença tive de parar. Fui ao palco e disse para todos que tinha sido o abade a mandar interromper a festa. Estava lá o presidente da Junta de Guetim, o Fernando Barros que tinha a Gruta da Lomba. O povo começou a gritar e foi uma situação muito chata.

Depois disso chegou a estar com o padre?
Um dia, estava com o padre numa festa da paróquia e ele insistiu para que eu falasse. Aproveitei a oportunidade para dizer que aquela festa também teria de parar. Disse a todos que tinha sido por causa do abade que não tínhamos prosseguido com aquela festa.
Vim a saber que ele ficou fulo porque viu o povo a passar para o campo num dia em que estava à espera das pessoas na igreja para a catequese. Foi por isso que mandou parar a festa.

Como aparece o novo campo em Guetim?
O local onde atualmente está o campo de futebol de Guetim era um terreno utilizado para a agricultura. Não havia nada ali, nem as casas que hoje existem. Conhecia do proprietário porque ele ia à caça comigo. Um dia perguntei-lhe se não queria arrendar o terreno para fazermos ali um campo de futebol. Ele disse-me que sim e ficámos com o campo. No entanto, não havia acessos. Na parte superior havia um alpendre e seria por ali que deveríamos abrir uma passagem até ao campo. Mas o proprietário do terreno não nos queria deixar deitar abaixo o alpendre e sem isso não poderíamos entrar para o campo. Tinha de haver uma passagem, até para uma ambulância, se fosse necessário.
Entretanto, dava-me bem com um sobrinho dele que morava em Coimbrões. Fui ter com ele e pedi-lhe que fosse ter com o tio para nos ajudar a convencer a deitar abaixo o alpendre. Ele disse ao tio que eu tinha razão e que tinha de ser feita uma entrada.
Combinámos deitar o alpendre abaixo, mas nós teríamos de fazer uma parede. Fui eu que construí a parede.

Como é que fez o campo de futebol?
Fui tirar as medidas ao campo de futebol do SC Espinho. Fui buscar uma máquina a Paços de Brandão que andou a preparar o terreno. Os meus sobrinhos, que moravam próximo do local e trabalhavam em serralharia, ajudaram-me.
Fui buscar os ferros para as balizas a uma sucata junto à Ponte D. Luís I, em Vila Nova de Gaia. Comprei os tubos em ferro e trouxe-os na minha camioneta até Guetim.
Quando chegámos ao campo de futebol, não tínhamos eletricidade para soldar os tubos. Fui a uma casa que ficava ali perto pedir para nos deixarem utilizar a eletricidade para soldarmos as balizas.  Gostaria que, enquanto eu for vivo, que aquele campo tenha o nome de Guetim. Não importa que joguem lá muitos clubes, mas quero que esteja ao serviço da freguesia.

Artigo completo na edição de 9 de novembro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.