Abel Gomes Gonçalves foi presidente da Junta de Freguesia de Silvalde ao longo de 23 anos, sucedendo a Manuel Fabiana que, durante seis anos, exerceu o cargo eleito pelo Partido Socialista (PS), após o 25 de abril de 1974. Autarca dedicado à freguesia, foi derrotado nas eleições de 2009 pelo social-democrata, Marco Gastão, por apenas um voto. Abel Gonçalves foi, assim, o autarca que exerceu o cargo de presidente de junta durante mais tempo no concelho de Espinho e é considerado um dos históricos socialistas.

É natural de Silvalde!…
Nasci no lugar do Loureiro, junto à Estrada 109 próximo do cruzamento do Laranjeira onde existia uma loja do Barrotinho que era de um senhor que trabalhava nas caves dos vinhos em Gaia e que morreu num acidente com eletricidade. Era ali que a nossa população ia fazer as compras. Andei na escola que, mais tarde, como secretário de Junta, mandámos demolir para construir a atual Junta de Freguesia. Ficava muito próximo da igreja e era uma das grandes vantagens para a população.
Recordo-me que, na altura, fomos muito criticados, sobretudo pelas pessoas mais velhas que não queriam que se deitasse abaixo um edifício daqueles. Todos tinham frequentado aquela escola e estavam tristes e escandalizados por se destruir o edifício. Queríamos inovação e era imperioso construir o edifício-sede. Aquele era o lugar ideal para o fazer porque estava numa zona central e o terreno pertencia à autarquia.

Como foi a sua infância?
Fui um privilegiado porque quem tinha possibilidades, nessa altura, colocava os filhos a tirarem a admissão (acesso ao liceu ou à escola industrial). Naquela altura, a escola industrial e comercial de Espinho tinha, apenas, um ano. Foi lá que andei a estudar, apesar de o meu pai não ter grandes posses por ser um trabalhador comum, pois chegou a ser encarregado na antiga fábrica Progresso e, mais tarde, na Vigorosa. O patrão dessa fábrica, o Domingos da Vigorosa, foi busca-lo para chefiar uma secção.
Lembro-me de ouvir a minha mãe contar que ia à loja buscar a despesa para a semana e levava uma nota de 50 escudos [25 cêntimos, na moeda atual]. O meu pai ganhava 10,80 escudos [pouco mais de cinco cêntimos] por dia. Embora fosse um operário bem pago, era pouco dinheiro.
Naquele tempo era o professor da quarta classe que dava o aval para se fazer o exame de admissão. Fui para a escola industrial e tive a sorte de ter aberto no ano anterior porque de outra forma não iria para Vila Nova de Gaia nem para o Colégio de S. Luís, que era onde andavam os filhos dos mais endinheirados.
A minha ambição era ser eletricista, mas só havia o curso de serralharia e enveredei por esse. Tínhamos aulas na oficina, de fato de macaco. No quarto ano acabei por chumbar e o meu pai pôs-me a trabalhar durante o dia e a estudar à noite.

Recorda-se do primeiro emprego?
Fui trabalhar para a Ponte de Anta para uma oficina de moldes para plástico. O patrão era o Carlos Camarinha. Trabalhei lá durante cerca de 15 anos enquanto andava a estudar à noite. Saía da oficina e ia a casa comer uma sopa e pão e ia para as aulas.
Mais tarde fui encarregado de uma oficina em Silvalde que pertencia a um indivíduo que trabalhava para a Fosforeira Portuguesa. Como percebia um pouco de desenho de máquinas fiquei a chefiar a oficina. Ganhava 50 escudos por dia, ou seja, mais do que o meu pai.

Esse dinheiro era para si?
Claro que não. A educação da altura era entregar o dinheiro em casa, à minha mãe, para ajudar nas despesas da família. Éramos quatro irmãos. A minha mãe dava-me 20 escudos [10 cêntimos] para as minhas despesas. Dizia que eu não precisava de dinheiro porque comia e dormia em casa. Gastava o dinheiro no cinema e a fumar uns cigarritos.

Teve de cumprir o serviço militar!
Fui para a tropa aos 18 anos e como tinha o curso da escola industrial fui para o curso de sargentos milicianos. Fui cabo miliciano, dei três instruções em Santa Margarida porque tinha o curso de minas e armadilhas. Mais tarde fui promovido a furriel miliciano e fui para Angola no navio Vera Cruz. Saí de Portugal a 14 de maio de 1969 e cheguei a Angola 10 dias depois. Saí de Angola a 24 de maio de 1971 e cheguei a Portugal a 4 de junho desse ano.

Qual foi a localidade em Angola onde esteve?
Estive no Norte de Angola, a trabalhar na maior obra de todos os tempos da engenharia militar, a ponte Totobola. Era uma infraestrutura enorme sobre o rio Dange. Estive lá durante nove meses. Como tinha o curso de minas e armadilhas e como era preciso um sapador para fazer os caboucos [escavação para assentamento de alicerces], era eu que fazia a detonação dos explosivos. A ponte tinha seis pilares enormes que estavam colocados em rochas do rio. Fazíamos furos nas pedras com umas brocas muito compridas e atacava com amonal que era o explosivo mais potente. Fazia rebentamentos com 50 quilos e o maior que fiz tinha 73.
Depois fui para Luanda e para outras zonas de Angola muito perigosas como Nambuangongo e Zala a abrir estradas com as poderosas máquinas militares. A maior máquina portuguesa estava em Angola, era de terraplanagem com lagartas que deitava abaixo as árvores com grande facilidade.
Quando ia ao quartel de Paramos, quando era presidente de Junta, conhecia a maior parte dos generais e oficiais mais antigos porque tinha estado com eles em Angola.
O meu capitão chamava-se Sousa Lobo e era um homem espetacular. Ele mal dormia de noite e tinha um gravador na mesinha de cabeceira. Quando acordava gravava as ideias que tinha.

Esteve perante alguma situação perigosa em Angola?
Estive debaixo de fogo por três vezes. Umas vezes ia um colega abrir estradas e eram atacados. Outras vezes eu ia e não acontecia nada. Tínhamos sempre a proteção de outros militares que faziam parte da infantaria, com uma companhia de caçadores. Um dia, disse aos meus colegas que era um desgosto não ser atacado. Tinha comigo uma FN para proteção, mas não era a melhor arma. Um dia fomos mesmo atacados e a minha arma encravou. Tinha ao meu lado um cão que tremia que nem uma vara com os tiros. Caíram muitos ramos à volta da máquina e escondi-me debaixo dela. Foi horrível. Nas outras duas vezes não foi tão violento. Como andava perto das máquinas metia-me debaixo delas.

Regressou a Portugal e…
Tinha 24 anos de idade e quando ia fazer 25 anos, casei com a Maria Alice Soares, a 19 de dezembro de 1971. Em boa hora o fiz, pois tenho uma grande mulher. Foi um grande apoio que sempre tive e devo-lhe muito, assim como aos seus pais que eram pessoas de respeito, trabalhadoras e sérias. Tive uma honra muito grande por ter entrado nesta família. Tenho um filho, o Marco, que tem 49 anos, uma neta, a Mafalda, que já está na universidade e o Simão que está no 11.º ano e tem 15 anos.

Quem era o presidente da Junta de Freguesia nessa altura?
O presidente da Junta era o meu grande amigo Manuel Fabiana, um senhor idóneo, um homem sério, humilde e que tinha apenas a quarta classe, mas tinha uma bagagem cultural enorme. Era tecelão na fábrica de tapeçarias do Fontes e nas horas de folga era agricultor. Tinha gado, charruas, arados…
A Junta de Silvalde foi liderada por uma comissão administrativa, logo após o 25 de abril de 1974, e nas primeiras eleições ganhou o falecido Adão Loureiro, que ainda era meu primo.
O Manuel Fabiana foi convidado pelo Partido Socialista, mesmo não sendo militante, a encabeçar uma lista. Ele não queria, mas depois de tanto insistirem, só aceitou se eu fosse com ele. Conhecíamo-nos de frequentarmos o café Salgueiro onde, à noite, tomávamos café e conversávamos. Ele disse ao PS que só aceitaria ser candidato se fosse, também, o Abel Gonçalves. Foi nessa altura que vieram-me convidar. Ainda hesitei.

Artigo completo na edição de 16 de novembro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.