Ana Catarina Correia: O sonho de chegar aos Jogos Paralímpicos de Paris

Fotografia: Isabel Faustino

Ana Catarina Correia, atual vice-campeã da Europa de Boccia, é natural de Paramos. Aos 32 anos, a atleta do SC Espinho/CM Espinho já conquistou vários troféus na modalidade, em BC2. Portadora de deficiência (paralisia cerebral à nascença), a atleta tem o mestrado em Sociologia e é uma das mais promissoras da equipa espinhense. O objetivo será o de chegar aos Jogos Paralímpicos de Paris, no próximo ano.

Em que altura da vida começou a praticar boccia?
Foi aos 14 anos de idade na Associação do Porto de Paralisia Cerebral. Entretanto, terminei os meus estudos no ensino secundário e entrei para a Faculdade e, em 2010, soube que o SC Espinho tinha a modalidade. Vim para o clube nessa altura, onde permaneço até agora.

Sentiu algumas dificuldades no início?
Curiosamente não senti grandes dificuldades. Nos primeiros anos, praticava a modalidade no Porto encarando-a como uma forma de lazer. Não tinha uma componente competitiva muito forte. Mas, à medida que fui crescendo, comecei a gostar cada vez mais da modalidade, da competição e ganhei cada vez mais ambição em querer chegar cada vez mais longe. Foi aqui em Espinho que comecei a desenvolver as minhas competências e o perfil competitivo.
Foi um processo evolutivo, mas que acabou por se tornar fácil.

Teve, desde sempre, o acompanhamento dos seus atuais treinadores?
Conheci o meu treinador, André Tavares, no SC Espinho. Tem sido a pessoa que me acompanha desde que vim para cá. Naturalmente que tenho feito trabalho com outras pessoas, mas foi com o André que fui capaz de desenvolver toda a técnica. Estou-lhe muito grata pelo que tem feito, assim como à Câmara Municipal de Espinho por todo o apoio que nos tem dado, pois tem sido essencial para o meu sucesso e, também, para o sucesso dos meus colegas de equipa.

Como foi a sua história na competição?
Nos primeiros anos de competição não conseguia destacar-me a nível competitivo. Ficava entre o quinto e sexto lugar nos campeonatos regionais e nem sempre alcançava o apuramento para os campeonatos nacionais. Por isso, considero que os primeiros anos foram uma descoberta do jogo e que serviram para adquirir as competências básicas. Só a partir de 2017/2018 comecei a subir e, atualmente já conto com pódios a nível, regional, nacional e internacional.

O que lhe deu força para se dedicar a esta modalidade com afinco?
Sempre gostei de desafios e de coisas que me fizessem superar os meus próprios limites. Sempre gostei de perceber as minhas fragilidades e de saber, também, quais são os meus pontos fortes. O boccia trouxe-me tudo isto, nomeadamente a capacidade interna que temos de ter como atletas para perceber onde somos mais fortes e mais fracos. Depois todo o trabalho será o de tentar melhorar com base em todo o conhecimento que adquirimos sobre nós próprios.
O facto de ter comigo o meu treinador, André Tavares, é uma grande vantagem. Ele desenvolve bastante este tipo de trabalho connosco. Ensina-nos a entendermos que, por um lado, temos de ter força e grande vontade de ganhar e que, por outro, temos de ter na mão todo o valor do desporto para a vida. Foi isto que sempre me deu muita força para prosseguir este caminho que tracei na minha vida.

Sentiu alguma dificuldade pelo facto de ter uma deficiência?
Sinto as dificuldades que todas as pessoas com deficiência sentem em Portugal. Isto tem muito a ver com as questões de acessibilidade e das poucas oportunidades que existem na escola, no ensino, no uso de transportes públicos ou até no facto de oportunidades para integrarmos o mercado de trabalho. Isto é transversal às pessoas com deficiência. No entanto, acabei por ser um pouco a exceção à regra porque encontrei o desporto, porque me fui desenvolvendo como pessoa através dele e tive os meus pais que sempre me apoiaram muito. Consegui frequentar o ensino superior o que me permitiu, posteriormente, integrar o mercado de trabalho.
Por tudo isto entendo que não serei uma boa representante da maioria das pessoas com deficiência. É evidente que fui conquistando tudo com muitas dificuldades e sacrifício e fui sempre alcançando coisas muito boas.

Onde foi o seu percurso escolar?
Completei o ensino secundário na Escola Dr. Manuel Gomes de Almeida, em Espinho, mas até ao 9.º ano de escolaridade estudei em Esmoriz onde fiz, também, o meu percurso no ensino básico. Fiquei em Esmoriz porque já tinha muitos amigos na escola.
Considero que a Escola Dr. Manuel Gomes de Almeida é uma boa escola, mas havia, nessa altura em que fui para lá, algumas dificuldades a nível arquitetónico nas questões de acessibilidade e mobilidade para pessoas com deficiência. Atualmente, depois das obras que lá foram feitas e da remodelação, o problema já não se coloca. Recordo-me que, enquanto lá estive, sentia imensas dificuldades no acesso às casas de banho ou mesmo chegar às salas de aula. Porém, quer os professores, quer a direção da própria escola tentavam implementar medidas que visassem minimizar o impacto das dificuldades. Fico feliz por, atualmente, as condições da escola serem melhores porque sei que quem for para lá agora não irá ter esse tipo de constrangimentos.

Acha que nessa altura em que frequentava a escola já sentia vocação para o desporto?
Sim, porque nessa altura já praticava desporto, embora não o fizesse de forma tão intensa a nível de competitividade como o faço atualmente. Já me interessava pelo desporto.

Como foi a sua decisão pelos estudos universitários?
Fiz a licenciatura e o mestrado em Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Frequentei, durante um ano, o doutoramento. Tive de suspender porque arranjei trabalho. Este foi um projeto pessoal que ficou por terminar que, acredito, poderei terminá-lo mais tarde.

Artigo completo na edição de 16 de novembro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.