Manuel Gomes Oliveira, o ‘Manuel da Pá Velha’, é um dos comerciantes mais antigos da cidade de Espinho. Com 75 anos, ainda está ao serviço na confeitaria, ao lado do filho Nuno Ferreirinha Oliveira. Trabalhou na antiga Casa Sobral, na rua 19, onde adquiriu a experiência que mais tarde levou para a sua própria empresa. Com a mulher, Ângela Ferreirinha Oliveira, criaram a marca de uma confeitaria que, há décadas, vem sendo uma referência no comércio tradicional espinhense.

O que se recorda da sua infância em Espinho?
Andei na antiga Escola da Tourada, como muitos da minha geração, desde a primeira à quarta classe. Quando deixei a escola, antes de ir trabalhar para a Casa Sobral, trabalhei em casa como alfaiate com o meu pai. Na Casa Sobral permaneci até ir para a tropa para cumprir o serviço militar obrigatório aos 18 anos de idade. Entrei em 1959 e quase 10 anos depois fui para a tropa. Estive no Ultramar, no Norte de Moçambique, durante 30 meses como militar em Marrupa. Quando regressei à chamada Metrópole, Portugal, vim para Espinho para trabalhar, novamente, no Sobral.

Foi complicada a passagem por Moçambique no tempo da guerra colonial?
Foi relativamente complicada, sobretudo por estar longe da família e dos amigos que estavam em Portugal. No entanto, tive a felicidade de fazer parte da companhia principal, de comando e serviços. Ficava no quartel enquanto as restantes companhias iam para o mato. Era radiotelegrafista e, por isso, estava no posto no quartel e nunca fui para o meio das emboscadas e dos confrontos. Recebia as boas e as más notícias das restantes companhias e quando havia qualquer ferido recebia as mensagens para chamarmos os helicópteros para fazermos as evacuações.

Nunca pensou em poder ficar em Moçambique de vez?
Em 1971, quando acabou a minha comissão enquanto militar, regressei a Espinho e casei-me com a minha mulher e em 1974 regressei a Moçambique, a Lourenço Marques [Maputo]. Fui trabalhar para uma grande empresa ligada aos caterpílares. Como era um país maravilhoso até já tinha arrendado um estabelecimento para poder lá montar uma confeitaria para a minha mulher trabalhar. No entanto, chegou o 25 de Abril e em 15 de agosto de 1974 regressei.

O que encontrou para fazer em Espinho nesse tempo?
Estava casado, tinha já nessa altura o meu filho e tinha casa em Espinho. Como tinha a ideia de montar a pastelaria em Lourenço Marques, já não procurei outro emprego. Fiquei a ajudar a minha mulher na confeção e distribuição de fogaças. Pensámos em montar o negócio em Espinho. Por isso, em 1976 abrimos o primeiro estabelecimento na esquipa das ruas 20 com a 23, onde atualmente é a sapataria Charme. Todos os produtos de pastelaria eram confecionados na rua 29 em casa dos meus sogros, junto à Igreja Matriz de Espinho. Nessa altura já a minha mulher vendia na feira semanal de Espinho e em algumas festas no concelho de Espinho e nos arredores. Também vendíamos os nossos produtos a outras pastelarias, essencialmente a fogaça.
Recordo que, já nessa altura, havia em Espinho várias confeitarias. Fomos pagar uma renda ao dr. Miranda Valente pelo estabelecimento na rua 20 que era mais cara 20 vezes do que uma renda na rua 19! Afinal acabou por ser um ato arrojado e, ao mesmo tempo, algo considerado desmedido para a altura. Não me arrependi o resultado está à vista.

A grande inspiração está nesse momento…
Vem dessa altura e do momento em que nos estabelecemos enquanto comerciantes. Fazíamos a venda à porta das casas das pessoas, até no Bairro Piscatório e, por isso, encontrar um espaço para uma confeitaria foi o passo mais importante.
A minha mulher e a minha sogra já coziam o pão e a fogaça e iam vender esses produtos de porta em porta com a cesta à cabeça. Foi o começo da nossa vida nesta área da pastelaria e confeitaria.

Como surgiu o nome para a confeitaria?
A origem da produção de produtos de confeitaria remonta a 1910, acabei por associar a idade a um símbolo da padaria e pastelaria. A minha mulher ainda guardava do tempo da sua avó, a Ti Angelina, a pá com a qual se levavam as fogaças ao forno a lenha. Foi por isso que demos o nome de Pá Velha a esse instrumento tradicional das padeiras e da pastelaria. Fizemo-lo em memória dos antepassados. Um amigo meu até escreveu num quadro que se trata da pá que serve os ricos e os pobres. É um símbolo muito representativo.
Desde o início que a confeitaria remonta à avó da minha mulher e agora já vai na quarta geração: a Ti Angelina, a Ti Geninha das Fogaças, a minha mulher (Ângela) e, agora, o meu filho Nuno Ferreirinha Oliveira. Este ano, em 2023, celebrámos os 112 anos de existência deste negócio.

Artigo completo na edição de 7 de dezembro de 2023. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.