As malhas Picolini fizeram parte da história da indústria de Espinho. Pedro Fernandes transformou o trabalho caseiro numa fábrica que alcançou prestígio a nível internacional. O homem que nasceu no Porto e que já está em Espinho desde os 5 anos, aos 90 continua a amar a terra onde cresceu e fez toda a sua vida. A paixão pelo radioamadorismo, a Igreja Adventista e o movimento Rotary marcaram, de forma intensa, a sua vida.

Não é natural de Espinho!…
Nasci no Porto e vivi na Foz até aos 5 anos de idade. Os meus pais eram comerciantes e tinham um estabelecimento comercial de charcutaria e frutaria junto ao rio Douro. Mais tarde, tiveram de encerrar a loja por causa da política porque o meu pai passou a vida preso nas cadeias da Pide. Em 1926 houve uma tentativa de revolução em Lisboa e no Porto para restabelecer a democracia. As coisas correram mal e o meu pai ia a passar na praça da Batalha porque tinha ido buscar produtos a Campanhã para o estabelecimento e foi fotografado. Ele não era político nem revoltoso. Era a época da caça às bruxas. O meu pai era um homem bom e quando vinha a casa ia à gaveta tirar dinheiro para pagar as contas dele e dos amigos nos restaurantes em frente à cadeia. Vim para Espinho, morar para a rua 18, numa pequena casa junto à minha atual moradia. A casa era do meu tio. Por isso, estou em Espinho desde os 5 anos de idade, portanto, há 85 anos! Foi cá que cresci, trabalhei, namorei e casei.

Como foi a sua infância?
Foi uma infância muito conturbada. O meu pai, com o desgosto de perder o estabelecimento, começou a abusar no álcool. O que me valeu foram os meus tios-avós que não tinham filhos e que, por isso, acolheram-me cá. A minha mãe teve de fugir daqui por causa do meu pai que se tornou violento. Foi trabalhar para Lisboa, para casa de pessoas amigas. Vivi em Espinho com os meus tios, sem pai nem mãe, mas trataram-me como se fosse seu filho. Ainda mantenho em minha casa a fotografia do meu tio Manuel de Carvalho que foi guarda do tempo da rainha D. Amélia e que transitou para a Guarda Nacional Republicana. Era uma pessoa muito estimada e respeitada em Espinho por ser um homem de bem, íntegro, correto e honesto e deixou-me muitos destes valores. Eu ia fazer compras à mercearia e todos me fiavam porque depois o meu tio ia lá para acertar as contas.
Vivi com duas pessoas de idade até aos 10 anos, altura em que a minha mãe regressou a Espinho para abrir uma loja, numa altura em que o meu pai já não estava bem de saúde, vindo a falecer. Os meus tios deixaram-me um terreno onde vim a construir em 1965 a casa onde atualmente moro.

Andou na escola e brincava na rua…
Andei a estudar na escola primária da Feira, junto à atual Câmara Municipal. Percorri todas as salas de aula, as mesmas que ainda hoje existem naquele edifício. Não dava erros ortográficos e, por isso, não era muito castigado, ao contrário de outros colegas. Quando entrei para a primeira classe já sabia ler e escrever porque os meus tios puxaram por mim. Era eu que lia para o meu tio o movimento da II Guerra Mundial nos jornais.

Estudou até que idade?
Sou doutor do 12.º ano, mas frequentei imensos cursos e fiz estágios na Bélgica e no norte de Itália. Mais tarde cheguei a ter teares na fábrica que já funcionavam por computador. Com empregados e com o meu genro fomos a Itália adquirir conhecimentos para as novas tecnologias ligadas à indústria têxtil.
Quando era criança nunca pratiquei desportos, mas brincava com os meus amigos e jogava à bola na rua, na esquina das ruas 7 e 18. Por isso, nunca mais saí deste lugar.

Como era a vila de Espinho de então?
As pessoas andavam descalças na rua. Gostávamos de andar descalços. A gente do mar fazia-o constantemente, sobretudo as peixeiras que traziam as canastras na cabeça. Quando foi cá instalada uma esquadra da Polícia ninguém podia andar descalço e, por isso, as peixeiras traziam os chinelos dentro das canastras do peixe.

Na juventude, namorou…
Namorei e casei em Espinho com a minha mulher que é natural de Fiães e tivemos duas filhas, das quais tenho imenso orgulho. Tenho quatro netos e dois bisnetos. A minha mulher sempre foi o meu braço-direito na minha vida. Na indústria, ainda muito jovem, tornou-se muito competente na área da moda. Foi graças a ela que a empresa cresceu em termos de qualidade. A fábrica começou a produzir roupa para criança e, depois, para senhora. Exportámos muitos produtos, sobretudo para Paris que foi o nosso grande mercado. Exportávamos artigos em malha, debaixo de uma linha de uma estilista parisiense que vinha a Espinho e que deixava na nossa empresa as ideias. Mas era a minha mulher que fazia a criação dos artigos.

Artigo completo na edição de 21 de março de 2024. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.