Desenganem-se aqueles, muitos, que julgam que temos os cofres cheios. Que temos um excedente excessivo! Que este excedente excessivo dará para muitas folgas e para desapertar o cinto de tantos sectores que reclamam reivindicações para quem tudo é fácil, tudo é permitido, porque temos excedente orçamental.
É melhor ter excedente do que não ter! Deixemos desde logo claro!
Não podemos, contudo, ignorar como resulta este excedente e à custa de quê. Não podemos, contudo, ignorar que este excedente é uma migalha no trajecto do tanto que ainda falta por percorrer, na diminuição do défice e da dívida pública acumulada ao longo de décadas, e do tanto que é necessário fazer para robustecer a qualidade dos serviços públicos, a qualidade de vida e de bem-estar dos cidadãos, sobretudo dos mais carenciados, e do impulso positivo ao crescimento económico virtuoso.
Não podemos ignorar que este excedente resulta de vários aspectos contribuintes para esse resultado: do efeito inflacionário, que aumentaram de forma puramente conjuntural as receitas; do recorde histórico da carga fiscal verificada sobre os portugueses; e do reduzidíssimo nível de investimento público, que tem registado níveis baixíssimos em Portugal, dos índices mais reduzidos em toda a União Europeia.
Os dados publicados pelo INE demonstram que ao longo dos últimos anos, a execução do investimento público tem ficado recorrentemente abaixo do orçamentado, e que o investimento público em 2023 ficou 25% abaixo do orçamentado.
Há que reconhecer que em 50 anos de democracia pós 25 de Abril, terminar um ano com excedente orçamental é um facto digno de registo, naquele que é apenas o segundo ano com excedente orçamental desde 1975, depois de 2019.
Terminar o ano de 2023 com um excedente de cerca de 3,2 mil milhões de euros é assinalável. Mas vejamos, este valor não dá sequer para pagar o Novo Aeroporto de Lisboa, que implicará um investimento superior a oito mil milhões de euros, representando apenas cerca de um terço do valor.
Vejamos ainda que este valor é 1/8 do orçamento da saúde e 1/7 do orçamento do trabalho, solidariedade e segurança social.
Vejamos ainda que este valor é insignificante face ao défice acumulado verificado só nos dois anos de maior défice na governação Sócrates, que ascendeu a 37,8 mil milhões de euros de défice em 2009 (-9,9%) e 2010 (-11,4%). Só para recuperar o défice acumulados destes dois anos madrastos para Portugal, numa aritmética simples, e admitindo excedentes anuais em linha com o de 2023, seriam necessários 12 anos!
E, portanto, os cofres seguem vazios!
E depois temos isto: o País teve um excedente orçamental, mas a economia não cresce, ou cresce pouco e muito lentamente.
Segundo o FMI, a economia nacional foi uma das mais lentas da Zona Euro, indicando que Portugal foi ultrapassado por 11 países no PIB per capita desde 1999.
Com efeito, considerando outros períodos temporais de análise a conclusão é, infelizmente, semelhante. No período pós-troika (2015-2023), Portugal foi o país que menos cresceu entre os 15 países da política de coesão da União Europeia, à excepção da Grécia. A economia portuguesa foi também a que menos cresceu, entre os países da política de coesão, no período pós-pandémico em relação à pré-pandemia (2019-2023), novamente, com excepção da Grécia.
Não se trata apenas de ser o país que tem evidenciado um crescimento mais reduzido, mas também o ritmo de crescimento quem tem sido bastante lento face a outras economias, que têm experimentado crescimentos mais significativos e com taxas de crescimento que duplicam o crescimento económico português.
Entre os 15 países que fazem parte actualmente da política de coesão, são estes, por ordem decrescente, os países que apresentam os crescimentos mais elevados das suas economias: (1) Bulgária, (2) Roménia, (3) Malta, (4) Lituânia, (5) Estónia, (6) República Checa, (7) Hungria, (8) Polónia, (9) Croácia, (10) Chipre, (11) Letónia, (12) Eslovénia, (13) Eslováquia, (14) Portugal e (15) Grécia.
Ter excedente é melhor que não ter. Mas ter um ano de excedente não significa que todos os problemas desapareceram e que se pode esbanjar tudo daqui para a frente.
A safra tem de continuar. Senão vejamos. Dados recentes da Direcção Geral do Orçamento evidenciam que o excedente orçamental caiu para 758 milhões de euros de Janeiro a Fevereiro de 2024, face ao período homólogo de 2023. Na soma dos dois primeiros meses o saldo orçamental teve uma forte quebra, representando apenas 33% do saldo orçamental verificado em 2023, que se deveu em larga medida ao crescimento acentuado da despesa com uma variação de 15,9%.
Este engodo que parece cimentar na opinião dos portugueses que temos excedente e que temos os cofres cheios e que agora dá para tudo é bastante perigoso. Passos em falso, como parecem evidenciar estes dois primeiros meses de 2024, podem fazer perigar um trajecto que ainda está por prosseguir.
Quando um país tem uma dívida pública de cerca de 100% do PIB, é o mesmo que dizer que tem uma dívida equivalente a um ano do seu rendimento. Apesar do excedente, não tem dinheiro de sobra, tem isso sim, dinheiro a faltar.
Subsiste assim o desafio de construir a paz social, fazendo jus a reivindicações sérias e ponderadas, à melhoria da prestação de serviços públicos essenciais, no apoio aos mais carenciados, sabendo de antemão, que não há margem para satisfazer grupos sociais que vivem na tensão do orçamento de estado.
A ponderação é essencial e a firmeza de ter um rumo claro para o país são decisivas.
A prioridade do país deve ser a redução da dívida pública e o impulso económico por forma a criar um ambiente favorável de crescimento e desenvolvimento económico de geração de riqueza, que seja capaz de animar a sociedade, as famílias e as empresas, num ciclo virtuoso de crescimento e desenvolvimento, e de geração de valor.
Que seja capaz de gerar rendimentos incrementais que proporcionem o aumento da qualidade de vida e a libertação de meios e recursos para diminuir a dívida para níveis sustentáveis, e simultaneamente prover o estado social e as políticas públicas e a prestação de serviços públicos essenciais e de qualidade, a financiar em níveis comportáveis para os cidadãos e para as empresas, mantendo a carga fiscal em níveis aceitáveis e não asfixiantes.
Que seja capaz de gerar a capacidade dos cidadãos e das famílias se empoderarem nos seus domínios sociais e económicos, com políticas de inclusão dinâmicas que proporcionem uma participação activa dos cidadãos na melhoria das suas condições e de qualidade de vida.
Escrito em desacordo ortográfico.
Tito Miguel Pereira
Consultor