Se falarmos do José Carlos Campos Félix, poucos devem reconhecer o homem de 62 anos. Mas se for Zé Grande, a história já é outra. Nascido no Bairro Piscatório, trabalhou durante muitos anos na construção civil. Esteve nas obras de defesa da costa, na construção dos esporões e dos conhecidos pés de galinha. Mais tarde seguiu as pisadas familiares, dividindo o tempo entre a pesca e as famosas sandes de presunto na Casa Zé Grande. Foi candidato autárquico, mas acabou por desistir.
Nasceu no Bairro Piscatório, no meio dos pescadores…
A minha infância foi muito difícil. O meu pai era pescador e a minha mãe morreu pouco tempo depois de eu nascer. Tinha três meses. Tenho mais dois irmãos, um homem e uma mulher.
O meu pai era pescador numa companha e teve de criar os três filhos. Não tínhamos nada para comer. Dois dos meus tios, que também eram pescadores, morreram na pesca num naufrágio de um arrastão em 1959, em Paramos. O meu pai e o meu avô, como sabiam nadar, salvaram-se. Eu ainda não era nascido e o meu pai contou-me esta triste história.
Mais tarde acabou por ficar privado da companhia do pai…
O meu pai, quando andava na pesca com as companhas em Espinho, acabou por adoecer com a tuberculose, uma epidemia da altura. Teve de ser tratado no sanatório, em Vila Nova de Gaia. Nessa altura ficámos à deriva. Um tio nosso, que tinha uma deficiência, o Tono Manco, ia pedir para a porta da praça. Ele conseguia arranjar comida para nós. No entanto, ele gostava de beber uns copos e começou a faltar-nos comida.
Como conseguiram ultrapassar estas dificuldades?
Um dos meus irmãos ficou com a madrinha, que o sustentou e alimentou. Para mim e para a minha irmã foi muito complicado. Íamos à antiga carreira de tiro e trazíamos a comida que sobrava dos militares. Isto até aos meus 10 anos de idade. Ia para a Escola do Bairro Piscatório com a roupa rasgada e descalço.
Teve de começar cedo a trabalhar…
Aos 11 anos de idade comecei a trabalhar nas obras. O meu primeiro trabalho foi no campo de futebol do SC Espinho, quando o clube subiu à 1.ª Divisão. O presidente do clube era o António Marçal, que também era construtor. Trabalhava descalço e fazia a massa do cimento à mão para construirmos a bancada superior sul.
Continuou a trabalhar na construção civil?
Continuei a trabalhar nas obras, mas abri os olhos. Aos 17 anos fui trabalhar para a empresa SOMAGUE porque, na altura, estavam a precisar de mão-de-obra. Já era um rapaz alto e com força. Fui pedir emprego e eles deram-me. Três ou quatro meses depois, o engenheiro Vieira de Sá, que era um sportinguista convicto, soube que eu também era do Sporting CP. O clube, na época de 1979/1980, tinha sido campeão e vesti uma camisola do Sporting CP. Foi nessa altura que ele me promoveu a encarregado de obra nos pés de galinha, na construção dos esporões.
Construía os pés de galinha?
Quase todos os que estão nos esporões tiveram a minha intervenção. Aquilo era uma novidade, mas quase me trouxe a morte. São feitos de betão e uma vez um dos camiões trouxe um produto secante em excesso. O vibrador não pegou na massa e comecei a gritar. Não me ouviam porque estava dentro do molde do pé de galinha. Alguém acabou por ouvir e mandou parar de encher porque eu estava lá dentro, quase a morrer. Tiraram a tremonha com a grua e já tinha cimento até ao pescoço. Meteram vários vibradores para conseguir sair. Deixei no pé de galinha o fato oleado, botas e toda a roupa.
Artigo completo na edição de 18 de abril de 2024. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.