Portugueses mais pobres e pobres mais pobres

A Cimeira Social do Porto, ocorrida em 2021, realizada no âmbito da Presidência Portuguesa do Concelho da União Europeia, aprovou o Plano de Acção para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, comprometendo a União Europeia com a redução do número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social em 15 milhões até 2030.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, considerando a existência, em 2019, de 2,2 milhões de portugueses em risco de pobreza ou exclusão social, estabelece como primeiro indicador reduzir a taxa de pobreza monetária para o conjunto da população para 10%, o que segundo o documento oficial aprovado em Conselho de Ministros no final de 2021, representará uma redução de 660 mil pessoas em situação de pobreza.

A realidade social e os números mais recentes parecem traduzir uma realidade que recentemente se vem agravando, colocando a meta fixada como um objectivo ambicioso e, provavelmente, inatingível com o quadro de políticas públicas sociais e económicas que se vêm traçando, que colocam o país, e os portugueses, nos mais diversos benchmarks internacionais, em situações relativas e comparativas de maior fragilidade e vulnerabilidade que os demais países e populações congéneres no contexto Europeu.

De acordo com os dados mais recentes, publicados pelo INE em 2022, relativos ao ano de 2020, mostram que a taxa de risco de pobreza, que representa a percentagem de pessoas que tem rendimentos considerados baixos face à restante população, ou seja, que ficam abaixo do valor fixado para o limiar de risco de pobreza, isto é, abaixo de 554 euros mensais (valor correspondente a 2020), ascendia a 43,5% da população portuguesa, significando que Portugal tem mais de 4,4 milhões de pobres (antes de transferências sociais).

Nas últimas duas décadas assistiram-se a dinâmicas contrárias, com um movimento de crescimento da taxa de risco de pobreza, atingindo o seu valor mais elevado de 47,8%, registado no ano de 2013, seguida de uma ténue tendência de diminuição até 2019, baixando para 42,4%, interrompida e agravada para 43,5% no ano de 2020, acima da taxa de risco de pobreza registada nos anos iniciais do milénio, de cerca de 41,0%, e cujo valor mais reduzido, de 40,0% da população, se registou em 2006.

Sendo certo que nas duas últimas décadas o país, a Europa e o mundo viveram constrangimentos vários, que colocaram desafios e obstáculos acrescidos ao desenvolvimento socioeconómico, a evidência da situação socioeconómica e dos indicadores demonstram que tem sido um desafio (quase) intransponível a redução dos níveis de pobreza de forma significativa que, no caso português, pudesse sequer fazer a taxa de risco de pobreza se reduzir abaixo dos 40,0% da população.

Este confronto com a realidade, tem tido como resposta preponderante uma actuação significativa de políticas públicas, e de medidas de apoios sociais, que desta forma amenizam a situação de uma larga franja da população.

Sendo uma das formas de atenuar a situação dos portugueses em situação de risco de pobreza, as transferências sociais detêm um papel relevante e importante, mas ainda assim, não dirimem de forma cabal as necessidades da população.

Com efeito, após transferências sociais, a percentagem de pessoas que são consideradas pobres, agravou-se em 2020, para 18,4% da população, ou seja, mais de 1,9 milhões de portugueses são considerados pobres, mesmo após transferências sociais.

De novo, mesmo após uma tendência de diminuição da taxa de risco de pobreza (após transferências sociais) de 19,5% registada em 2013 e 2014, para 16,2% em 2019, agravou-se para 18,4% em 2020, numa realidade agravada em relação a um conjunto de anos com menores taxas de risco de pobreza registados na primeira década do milénio.

Por outro lado, constata-se que, de um modo geral, a maior atenuação da taxa de risco de pobreza se dá na comparação entre a população considerada pobre antes ou despois das transferência sociais, presumindo-se que as situações de pobreza têm um lastro de resistência muito largo, que social e economicamente não se tem alcançado o contributo económico para a sua redução significativa, e cuja redução ou atenuação se dá por uma intensidade de medidas e apoios sociais, que amenizam as dificuldades das pessoas, mas que pouca evidência existe de que contribuam para que, sem os apoios sociais, a população deixasse de ser considerada pobre.

O recrudescimento de níveis de pobreza incrementais é confirmado pelo aumento da taxa de intensidade da pobreza, que mede quão distante está o rendimento das pessoas mais pobres do valor fixado para o limiar de risco de pobreza, que se agravou em 2020 para 27,1%.

Esta é a quarta taxa mais elevada registada nos últimos 17 anos, e superior às registadas nos anos da primeira década do milénio (desde 2004).

A população portuguesa está assim mais pobre, com mais pessoas no limiar da pobreza, mesmo depois dos apoios sociais, e os pobres estão mais pobres, tendo-se inclusive agravado o número de pessoas que vivem em más condições materiais.

Entre 31 países europeus, Portugal é agora o 2.º país com mais pessoas a viverem em alojamentos com más condições materiais, em que uma em cada quatro casas apresentam telhados que deixam entrar água, as paredes ficam húmidas ou o soalho e os caixilhos das janelas estão podres, tendo piorado este cenário de 5.º pior país em 2010 (21,9%) para 2020 (25,2%). Em pior situação apenas se encontra o Chipre (39,1%), comparando ambos negativamente com a média da EU27 (14,8%).

Com certeza que os desafios são enormes, por um lado na oportunidade e necessidade de medidas redistributivas de apoio social, mas fundamentalmente de medidas produtivas que rompam a persistência e a reprodução de ciclos de pobreza das famílias e dos indivíduos, dirigidas simultaneamente às actuais gerações, para que possam melhorar as suas condições e dos seus agregados familiares, e às gerações futuras, para que possam ter um futuro com melhores perspectivas que as gerações que as precederam.

A constatação factual é que Portugal está mais longe da meta a atingir, relativamente ao objectivo prioritário da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030, de reduzir a taxa de pobreza monetária para o conjunto da população para 10%, o que representaria uma redução de 870 mil pessoas em situação de pobreza, para o que, daqui até 2030, será necessário fazer muito mais e melhor para alcançar o que outrora jamais foi conseguido: uma taxa de risco de pobreza mais baixa do que nunca.

Tito Miguel Pereira

Consultor

(Escrito em desacordo ortográfico)