Jorge Belinha, aos 44 anos, é professor universitário no Instituto Superior de Engenharia do Porto e diretor do Departamento de Engenharia Mecânica. Em Espinho é conhecido pela sua atividade desportiva e pela sua ligação às artes marciais, nomeadamente ao Viet Vo Dao onde conquistou vários prémios internacionais. Jorge Belinha é o presidente da direção da Federação Portuguesa de Artes Marciais Vietnamitas e almeja uma competição internacional a ter lugar em Espinho.
Como iniciou o seu percurso no desporto?
Grande parte da minha vida tem sido dedicada ao Viet Vo Dao. Comecei a praticar essa modalidade aos oito anos e fiz as classes de infantis na Associação Portuguesa de Artes Marciais (APAM). Entretanto, o António Pinto, que era o treinador dos iniciados de hóquei em patins da Académica de Espinho, estava a precisar de um guarda-redes. Acabei por ir para lá e por praticar simultaneamente as duas modalidades durante algum tempo. Mais tarde, como tinha um amigo que andava no Karaté do SC Espinho, fui para lá durante dois anos, até a secção fechar. Regressei à APAM para a classe de adultos com o mestre Carlos Tavares. Até aos dias de hoje mantenho-me nessa modalidade. A minha vida, em grande parte, está ligada às artes marciais.
O que o atraiu às artes marciais?
A minha professora primária, Lígia Silva, como tinha muita confiança com os meus pais, disse-lhes que as artes marciais deveriam fazer-me bem. Eles aceitaram o conselho e acabei por descobrir esta atividade física que me permite ir adequando a prática das artes marciais à minha idade. Nos restantes desportos, com a idade deixamos de praticar e nesta área podemos ir adaptando o treino às nossas condições físicas, de acordo com a idade que temos, mudando os nossos objetivos em função disso. Nos jovens predomina a força e a agilidade e, depois, com a idade, começamos a trabalhar mais a parte técnica. Já mais velhos aprimoramos a técnica e trabalhamos a consciencialização dos movimentos, a simbiose entre a mente e o corpo. E é isto que faz parte da descoberta das artes marciais que têm a vantagem de acompanhar o praticante ao longo da sua vida. É isto que dá realmente prazer.
É uma arte que conjuga com a idade…
Recordo-me perfeitamente daquilo que fazia aos 25 anos e do que conseguia fazer aos 30 e aos 35 anos. Sempre estive muito envolvido em competições e, por isso, tenho bem a noção desta evolução com o tempo e o que fui descobrindo em cada período da minha vida. Este ajustar da nossa expectativa à nossa realidade é uma das características das artes marciais.
Um professor que tinha na faculdade tinha sido jogador de basquetebol e perguntei-lhe se ainda praticava a modalidade. Ele dizia-me que a sua cabeça ainda tinha 20 anos, mas o corpo já tinha 50! Portanto, as artes marciais dão-nos o tempo que necessitamos para fazermos esta adaptação. O gosto pelas artes marciais é o de sabermos que temos ali uma prática para a vida.
Se em criança era irrequieto, o facto de ter ido para as artes marciais não o poderia ter transformado numa pessoa violenta?
O que a sociedade dizia e acreditava, na década de 80, era a ideia de que as artes marciais traziam aquilo que as pessoas viam nos filmes. Na verdade, a prática das artes marciais ensina-nos muito sobre o autocontrolo. Um praticante até conseguir causar dano com o conhecimento das artes marciais, ainda demora algum tempo. A reflexão que faz durante esse período, o autoconhecimento e esse autocontrolo chegam primeiro. Os praticantes aprendem a disciplinar-se, a respeitar os mais velhos e os companheiros e todos os outros elementos da sociedade, antes de pensarem em violência ou em atos mais agressivos.
É através do contacto, da medição das nossas forças e do respeito que temos pelo outro que conseguimos evoluir. Se for demasiadamente violento com o companheiro com quem estou a treinar ou vou magoá-lo e não aparece no próximo treino, ou fica zangado comigo e a seguir vai magoar-me. Há sempre este jogo de forças e percebemos que quem está à nossa frente é um ser humano como nós. Isto tudo é verbalizado nas aulas, mas aparece, naturalmente, dentro de nós.
Entrevista disponível, na íntegra, na edição de 29 de dezembro de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.