Professora catedrática em Cork, na Irlanda, desde abril de 2021, Maria José Sousa Gallagher, tem hoje 56 anos, mas saiu de Espinho muito nova para progredir nos seus estudos académicos. Foi sozinha para Inglaterra e, depois para a Irlanda, onde completou o mestrado e seguiu a carreira de docente universitária. A Zé Sousa, como gosta que a tratem e como todos a conhecem em Espinho, é filha de comerciantes e, atualmente, é a única mulher, na Irlanda, com o título de professor catedrático em Engenharia Química e Processual.
Quem é a Maria José do Couto Fernandes de Sousa Gallagher?
Em Espinho todos me conhecem por Zé. Imagine-se se usasse o meu nome completo, tão comprido, na Irlanda! Lá, no meio académico, sou conhecida por Maria Sousa Gallagher.
Quando fui para lá apresentei-me às minhas colegas de casa como Zé e, por isso, são as únicas que me tratam dessa forma. Na Irlanda, os nomes são curtos, mas alguns são muito estranhos para nós, portugueses e, por isso, logo no início gerou-se alguma confusão porque escrevia recados às minhas colegas com os seus nomes mal escritos e elas não percebiam para quem eram esses recados! Memorizar os nomes dos meus alunos, também não foi fácil. No entanto, o meu nome, Maria, todos aprendiam rapidamente.
Como foi parar à Irlanda?
Fui para a Irlanda em 1990 para fazer o mestrado em Engenharia, Ciência e Tecnologia Alimentar, com uma bolsa do Programa Ciência, que permitia a investigadores portugueses irem para o estrangeiro para fazerem uma pós-graduação. Quando concluí o mestrado regressei a Portugal para retribuir ao meu país todas as competências que tinha adquirido.
No final de 1992, fui à Escola Superior de Biotecnologia (ESB), na Universidade Católica (UC) no Porto, encontrei o diretor professor Medina que me perguntou o que pretendia fazer. Disse-lhe que gostaria de fazer o doutoramento, mas ele disse-me que para isso teria de esperar até outubro. No entretanto, propôs-me começar imediatamente a trabalhar como investigadora na área do meu mestrado. A partir daí foram desafios uns atrás dos outros. Comecei por fazer investigação na área dos lacticínios e lecionar várias cadeiras diferentes daquilo que tinha feito anteriormente, nomeadamente a Microbiologia e a Microbiologia Aplicada, Bioquímica e Bioquímica Aplicada. Em outubro comecei o doutoramento e quando ainda não o tinha terminado, em 1998, recebi uma proposta para trabalhar como pós-doutorada em Cork, na Irlanda, no âmbito de um projeto europeu. Estava a terminar o doutoramento e faltava-me, apenas, submeter a tese. Esta proposta de trabalho foi fruto do contacto que mantinha com a Irlanda.
E na Universidade de Cork?
Comecei por trabalhar como pós-doutorada em investigação em Ciência e Tecnologia Alimentar, no Colégio de Ciência, Engenharia e Nutrição que engloba várias escolas. Trabalhei como pós-doutorada durante três anos e, em 2001, candidatei-me a uma posição de professor auxiliar no Departamento de Engenharia Química e Processual daquela universidade. Mais tarde fui promovida a professora associada e, em abril de 2021, passei a ser professora catedrática. Sou a única mulher, na Irlanda, com o título de professor catedrático em Engenharia Química e Processual.
Significa que as mulheres têm poucas oportunidades no mundo académico?
Durante mais de 10 anos fui a única mulher na Escola de Engenharia. Pensamos que só aqui em Portugal é que isso acontece, mas na Irlanda isto ainda é muito mais acentuado. É ainda evidente o sentido de que há coisas que são só para os homens e coisas que são para as mulheres. Sempre contestei isso pois nunca vi o mundo dessa forma.
Quando é que contestou isso?
Cresci em Espinho e sendo o meu pai empresário/comerciante na cidade e de uma geração muito mais antiga, houve sempre a ideia de que precisava de um filho (homem) para continuar com os seus negócios. Fui a sua filha mais velha e, na verdade, ao longo dos anos sempre estive muito perto dele e dos seus negócios. Também o acompanhava algumas vezes na carpintaria a fazer alguns moldes de vassouras. Por isso, sempre enveredei por coisas que não eram tipicamente para mulheres.
Fiz parte dos primeiros escuteiros femininos em Espinho, integrando o primeiro grupo porque o que existia, até então, eram as guias. Mas também fui, juntamente com a Sónia Maia, das primeiras nadadoras-salvadoras em Espinho a tirar o curso profissional. E durante muitos anos, fui praticante de Viet-Vo-Dao, em Espinho.
Se o seu pai era um comerciante de sucesso e tinha um negócio montado, por que razão nunca enveredou por essa área, mas sim pela carreira académica no estrangeiro?
É verdade que somos sempre influenciados por tudo aquilo que nos rodeia, mas não é menos verdade que há sempre a vontade de enfrentar o desconhecido, como um desafio. Não planeei enveredar pela carreira académica, mas as coisas foram acontecendo de uma forma muito espontânea e natural. Quando me candidatei à bolsa de estudo para ir fazer o mestrado para a Irlanda, não imaginava o impacto que isso iria ter na minha vida profissional e pessoal. Não fazia ideia de que era a primeira a conseguir uma bolsa daquele calibre e para ir para fora!
Já tinha estado no estrangeiro, quando estava no quarto ano da minha licenciatura, pois fui para Inglaterra, em Erasmus. Essa foi uma mais-valia. Na ESB-UC, tínhamos muitos professores que vinham de todas as partes do mundo. Sempre estivemos expostos a um ensino internacional, mas o inglês sempre foi a minha pior disciplina até aí. Tinha completado o curso de francês no Instituto de Francês do Porto e até poderia ter feito um estágio em França. Mas nesse ano pretendia enveredar pela área dos laticínios ou dos vinhos. No entanto, pensei que deveria ir para um país de língua inglesa até para poder aprender inglês. Por isso, candidatei-me para ir para Inglaterra ou para a Irlanda. Fui para a Inglaterra, para a Universidade de Reading.
Entrevista completa na edição de 11 de agosto de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.