O (des)Governo sem alternativa

1 – Entrámos no “inferno português” das chamadas segunda e terceira vagas da pandemia, que, após breve hiato estival, sucedeu ao ambíguo “milagre português” da primeira vaga. O povo terá sido incitado a relaxar no verão, com multidões nas praias, e um público apelo à vinda dos turistas ingleses e espanhóis, (sem testes nem controlo à chegada, salvo na Madeira e nos Açores – bendita seja a Autonomia…), e tendo, depois, atravessado o outono, despreocupadamente, e passado o Natal em “shoppings” sobrelotados e festas de família, eis que nos vemos, em janeiro de 2021, no topo da lista negra, em número de mortos pela pandemia (proporcionalmente à população) – perdido que foi, há muito e por completo, o rasto às cadeias de contágio.
De bom, avulta o esforço constante dos profissionais de saúde, em cada um dos hospitais. E o de todos aqueles autarcas, que têm sabido estar no terreno, junto dos munícipes. Num programa de televisão a que assisti recentemente, os presidentes das Câmaras de Gaia (PS), Viseu (PSD) e Loures (PCP) falavam, em tal sintonia, das soluções encontradas face aos ciclópicos problemas trazidos pela Covid, que, se não soubéssemos a sua cor política, era difícil adivinhá-la.
Fui sempre regionalista e sinto-me, agora, não direi reforçada nas minhas convicções, porque já eram inabaláveis, mas com mais e melhores argumentos para as defender. Madeira, Açores e muitas autarquias são prova bastante da superior eficácia e sensibilidade destes governos de proximidade, quando comparados com o desnorteado Governo da República.

2 – Cronologicamente, o último erro de monta a apontar aos nossos políticos é o da realização das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, em plena pandemia! Na véspera, o número de mortos (272) e o de novos casos diários (mais de 15.000), constituíam novos recordes, mas nem isso moderava o entusiasmo de apelar ao voto, por parte de candidatos, governantes, CNE ou comentaristas dos “media” – todos, em uníssono, assegurando que o ato era realizado em condições de perfeita segurança. “Quod erat demonstrandum”… Com o meu pessimismo de hipocondríaca (característica, por acaso, partilhada com o Senhor Presidente da República), logo admiti como muito provável o aumento de contágios e de fatalidades, mormente nos grupos de risco – os velhinhos que a DGS quer sempre cautelosamente confinar, exceto quando está em causa o “superior interesse” de ganhar uma mão cheia de votos. Ora, a democracia não morreria, se os mais vulneráveis escolhessem, sem pressões, ficar em casa, ao abrigo da exposição ao vírus e às intempéries, até porque os políticos não trataram de lhes dar, de facto, as condições de um voto seguro e fácil – por correspondência, ou meios digitais. E nem sequer, ao contrário do que acontece em países verdadeiramente preocupados com os seus idosos, os colocaram na primeira linha de vacinação anti-Covid. Só por força de uma alteração de 25.ª hora, os maiores de 80 anos, que residem “em liberdade” (isto é, os que não cumprem autênticas penas de prisão em lares de idosos), serão, ao que parece, requalificados na lista de precedência de vacinação. De fora fica, estranhamente, a faixa etária dos 70/79 anos.
Em suma, estas eleições deveriam ter sido adiadas, em outubro ou novembro, quando as cadeias de contágio já cresciam assustadoramente. Segundo a sondagem do “Expresso”, na véspera das eleições, ainda 57% dos portugueses queria o adiamento, contra uma minoria de 37%. Um povo bem mais avisado do que os seus representantes eleitos!
Na verdade, só o adiamento do processo e (ou) a votação postal teriam garantido o voto a todos os cidadãos, nomeadamente os emigrantes e os que, por razões de saúde, ou de confinamento profilático, a partir do dia 14 de janeiro, viram, na prática, denegado esse direito. O PR soube lembrá-los como desculpa para a elevada abstenção, mas não contribuiu “ex ante”, para que fossem criadas efetivas condições de sufrágio universal.

3 – O desenlace eleitoral não trouxe surpresas de maior. Espinho acompanhou o resto do país, embora dando a Ana Gomes quase 15% e a Ventura não mais do que 8.59%.
Ventura foi, em alguns “media” estrangeiros, chamado o “Trump português”. Gostará, talvez, da comparação e não podem negar-se algumas similitudes de carácter, de pensamento e de estilo arruaceiro… Ambos atraem o eleitorado do “país profundo”, interior, menos letrado e menos desenvolvido, e, saliente-se, masculino.

Manuela Aguiar
Jurista, ex-vereadora da CME e secretária de Estado

Artigo publicado, na íntegra, na edição de 28 de janeiro de 2021. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro, a partir de 28,5€.