Numa altura em que, graças aos canais do cabo e às plataformas de streaming, nunca houve tantas opções de entretenimento e que ganham ainda mais relevância devido ao confinamento forçado, nada melhor que (re)descobrir estes produtos televisivos e esquecer os males do mundo por uns dias. É certo que um fim de semana é pouco para assistir a todas estas sugestões, mas já fica com algumas ideias para preencher os tempos livres.

Se algum canal português, digamos a TVI, apostasse numa adaptação de Jane the Virgin, tenho sérias dúvidas que não fosse um estouro de audiências (toma nota, Cristina Ferreira!). A série, composta por 5 temporadas e todas disponíveis na Netflix, é uma mistura de sátira e homenagem ao formato consumido e adorado por milhões que, gostemos ou não, define a ficção nacional: a telenovela. Com uma premissa absurda (jovem católica e virgem é inadvertidamente inseminada com o sémen do patrão) e todos os ingredientes clássicos (identidades trocadas, gémeos maus, mortos que voltam à vida, raptos, perdas de memória e muitas reviravoltas), Jane the Virgin cria personagens tridimensionais e com preocupações reais e, ao longo de 100 episódios, desenvolve-se ao inseri-las em circunstâncias surreais. O mais certo, porém, seria a TVI despir aquilo que a história tem de melhor numa hipotética transição para o mercado português: o seu imenso coração, as suas discussões sobre diversidade (elenco e personagens são quase todos latinos), dinâmicas familiares e heranças culturais. Acima de tudo, a série quer divertir e cada capítulo serve como uma bomba de alegria capaz de elevar o espírito mais carrancudo.
Continuando na Netflix, para quem gostar de produtos mais sóbrios e com uma forte componente de investigação, a recomendação vai para Hinterland. Oriunda do País de Gales e filmada em duas versões (com diálogos em inglês e galês, sendo a primeira a disponível por cá), a série vem na mesma onda de séries criminais europeias que explodiram em popularidade na última década: o protagonista é um indivíduo atormentado pelo passado, há uma pressão constante das chefias e casos que se resolvem num episódio ou dois. Os casos, aliás, não têm nada de extraordinário em relação a tantos outros produtos do género; onde Hinterland realmente se esmera é nas paisagens galesas que encantam e oprimem na mesma medida e num elenco homogeneamente excelente.
Numa vertente mais tradicional, mas de qualidade superior, temos The Good Wife (a SIC Mulher passa atualmente a sexta temporada) que, à primeira vista, pode ser confundida como mais um drama de tribunais, com casos semanais e triângulos amorosos. The Good Wife tem tudo isso, ninguém nega, mas tem também uma escrita brilhante e madura, um elenco formidável liderado pela impecável Julianna Margulies, e muita intriga de fazer inveja a séries mais reputadas. O que, à superfície, pode parecer mais uma história de advogados revela-se como uma multifacetada discussão sobre as áreas cinzentas da lei, o poder manipulador da política e o papel da tecnologia da sociedade, bem como os conflitos que afloram na nossa vida pessoal e profissional.
Dentro do panorama desolador que é a ficção nacional, louve-se a RTP por ainda apostar no formato serializado e, como tal, a plataforma RTP Play serve como um oásis neste deserto de ofertas. As propostas são variadas e diferem em qualidade (mediante o gosto de cada um) e, nesse sentido, a minha recomendação vai para Sara. Ideia original de Bruno Nogueira, trata-se de uma sátira à indústria televisiva portuguesa que, como não podia deixar de ser, limita-se a telenovelas e enlatados. Beatriz Batarda interpreta Sara, uma conceituada atriz que tenta dar um novo rumo à sua carreira ao participar numa novela, uma opção à qual não se adapta facilmente. Divertida e metalinguística, Sara contém alfinetadas certeiras ao culto das celebridades, ao entretenimento direcionado ao menor denominador comum e à frustração artística. Trata-se de um projeto diferenciador e inteligente para a realidade portuguesa, razões mais do que suficientes para ser conferido.

Por Antero Eduardo Monteiro