Andava aqui na dúvida sobre se escrevia sobre isto, se não. A verdade é que este texto é publicado uns dias antes de termos uma certeza e eu considerei que talvez não fizesse sentido, que devia esperar para saber. Mas li algures uma frase do editor da revista espanhola “Panenka” que dizia que “El fútbol sin sentimiento son unas clasificaciones en un excel”. E percebi que era hoje que fazia mais sentido escrever isto. Enquanto não sei, enquanto não sabemos. Porque saber é o menos importante.
Enquanto ainda estamos um pouco eufóricos com a vitória do nosso Sp. Espinho frente ao Lusitânia Lourosa no fim de semana passado. Tem sido uma época como ninguém gostaria. Uma série de resultados negativos e lá estávamos nós, persistentemente, no grupo dos últimos, semana após semana. Entraram e saíram jogadores que não conhecíamos de lado nenhum, mudou-se a equipa técnica e eu só ouvia adeptos com exigências, insultos, reparos à postura deste ou daquele jogador, da equipa técnica, da direção. Tanta energia a exigir o que não se pode exigir. Sentir não nos dá direito a isso.
Há uns tempos, projetos pessoais puseram-me a história do Sp. Espinho à frente. Ano após ano, tabela classificativa após tabela classificativa. Meio perdidas, estavam as histórias do início do futebol no clube, algumas curiosidades sobre carolices e dificuldades, aventuras e episódios divertidos durante os jogos. E eu queria mais. Queria saber mais, ouvir mais os protagonistas, os jogadores e os adeptos sobre as memórias que lhes ficaram de cada jogo. O sentimento, mais do que a classificação.
É que se me perguntarem em que lugar o Sp. Espinho ficou na época passada, não sei de cor. Mas posso falar-vos da molha monumental e dos largos minutos que ficámos a aplaudir a equipa depois de uma derrota em Paços de Ferreira ou do pezinho de ouro do Diogo Valente a fazer-nos eliminar o Arouca na Taça de Portugal, ainda que lá longe e já muito escuro. Sei das vezes em que levei o meu afilhado ao estádio para o ouvir cantar as músicas da claque. Sei de praticamente cada um dos 11 penáltis no jogo contra o Académico de Viseu. E sei bem da quebra de tensão que tive com o golo do empate no jogo em que subimos dos distritais. Não me lembro do golo da vitória porque não estava em condições anímicas de me manter de pé. Disso lembro-me bem até hoje.
Depois de fins de semana seguidos de queixas, os adeptos foram dar um incentivo à equipa na saída para o jogo contra o Lourosa. Era preciso ganhar, o primeiro de dois passos para não voltar aos distritais. Motivados ou não pela festa – a verdade é que muitos daqueles jogadores nunca viveram a forte presença que a claque do Sp. Espinho consegue ser dentro de um estádio – o clube venceu e venceu a convencer bem. Daqueles jogos que nos iriam ficar na memória por muito tempo se lá tivéssemos estado.
No regresso, lá estava eu a receber imagens da receção que os adeptos fizeram à equipa. E a pensar se a receção teria sido tão efusiva, tão calorosa se o Sp. Espinho tivesse feito um jogo incrível, mas não tivesse conseguido o objetivo. Deixei-me a acreditar que sim. Que aqueles cânticos, aquelas palmas eram pelas emoções que todos tínhamos vivido em frente ao ecrã uns minutos antes (sim, que eu bem ouvi vizinhos a gritar mais do que eu!). Eu sei que é fácil saltar e cantar quando vencemos. Mas eu também já vi aqueles adeptos a encher um estádio (em casa ou fora) com uma energia imensa mesmo quando a equipa perdia. Todos nós sabemos como há emoções que só este futebol desperta.
Por mim, gosto de pensar que o futebol deve continuar a ser apenas um lugar de emoções
E por muito que eu me estivesse a contorcer ao vê-los a saltar para cima dos jogadores e a abraçá-los, porque estamos no meio de uma pandemia e dava jeito que não tivéssemos infetados no plantel já que para a semana há um jogo importante, eu percebi a vontade, a necessidade de o fazerem. Eu só queria fazê-lo também.
Tem razão, senhor primeiro-ministro: nós não estamos preparados para voltar a um estádio onde existam restrições. Gostava de dizer que sim, que limitarem a lotação, imporem lugares afastados para assistirmos era suficiente e que o nosso sentido de responsabilidade faria o resto. Mas estaria a iludir-nos. Não estamos preparados e não queremos estar. Mas talvez nem para um estádio cheio de regras restritas impostas por competições de primeira e segunda liga, com detetores de metal ou onde não há cerveja com álcool estejamos preparados. É isso que queremos quando – e se – o nosso Sp. Espinho chegar a patamares maiores? Ou queremos o bairro que ainda é o nosso futebol? Queremos mesmo mais uma tabela onde aparecemos nos lugares cimeiros, mas sem memória para lá dos números? Nada contra quem quer isso, e que me desculpem o coração amador. Só que esse não é o meu futebol. É o que dá mais dinheiro dos patrocínios, e o que atrai jogadores, eu sei. Mas não é o que nos aproxima, não é o que me faz vibrar.
Por mim, gosto de pensar que o futebol deve continuar a ser apenas um lugar de emoções, um lugar irracional, mais livre. Mas tanto fora, como dentro do campo. Um lugar onde não nos amarrem a nós e onde não os obriguemos a nada. Um lugar longe de matemáticas e onde contemos apenas o que conta: as histórias, as emoções, o quão nos rimos, chorámos, gritámos até ficar sem voz e saltámos até perder o equilíbrio. E quando nos perguntarem quanto ficou o jogo, vamos dizer que perdemos, que descemos ou não subimos de divisão, mas que a nossa equipa é a maior.
É isso que nos vamos lembrar de contar quando os nossos amigos quiserem saber por que raio fazemos tanta festa quando o clube da nossa terra joga, porque festejamos a subida dos distritais ou a manutenção no Campeonato de Portugal como se fosse uma Liga dos Campeões. É isso que vamos continuar a fazer se este fim de semana as coisas não nos forem lá muito favoráveis. Vamos para os distritais fazer a festa. E levamos o bombo e tudo. O clube será sempre o mesmo. E nós nunca deixaremos de ser os adeptos do “histórico” da Costa Verde. Mas, antes de tudo, mesmo que percamos este fim de semana (ou sobretudo se perdermos este fim de semana), nós vamos aplaudir o nosso grande Espinho. Porque é assim que o futebol vale a pena. Porque o futebol que me move não é, nem nunca será, o das classificações numa tabela.