As mentiras que nos contaram sobre a TAP

Esta semana esvaiu-se a última esperança de pouparmos os contribuintes a mais uma grande injecção de dinheiro na TAP. A Comissão Europeia aprovou o plano de reestruturação da TAP, com várias exigências que levarão a que a empresa seja mais pequena no futuro, ainda que com a mesma dívida de quando era uma empresa grande. Isto é uma péssima notícia para os contribuintes. Apesar disso, ou possivelmente devido a isso, a decisão foi celebrada pelo governo que agora pode prosseguir com a sua estratégia ruinosa de alimentar uma empresa pública falida. A injecção na TAP tem sido vendida como uma necessidade absoluta para o país e os argumentos são sempre os mesmos:

  • Sem injeção de dinheiro na TAP deixaríamos de ter uma companhia aérea em Portugal
  • A TAP é essencial para o turismo em Portugal
  • A TAP é essencial para a balança comercial portuguesa
  • A TAP é essencial ao emprego
  • A TAP é essencial para as receitas de outros sectores e do próprio estado
  • Não é possível um país sobreviver sem uma companhia aérea de bandeira
  • A injeção de dinheiro na TAP é comparável a outras empresas europeias

No livro “Milhões a voar” eu e o André Pinção Lucas desmontamos cada um destes argumentos. Para isso usamos dados que o governo nunca cede quando apresenta estes argumentos. Nesse livro demonstramos que, sem injeção de dinheiro na TAP, poderia facilmente ser criada outra companhia aérea com base em Portugal. Isso já aconteceu em vários países como a Bélgica, Suíça, Hungria, e até recentemente na Itália.

Demonstramos também que a TAP só é preponderante no Aeroporto de Lisboa, mas que é precisamente na capital que a TAP funciona mais como tampão a outras companhias aéreas que gostariam de voar para Portugal e não podem por causa da TAP. Ou seja, a TAP só é preponderante no único aeroporto em que seria facilmente substituível.

Tal como tem sido adiantado, a TAP também é uma grande exportadora, mas o seu contributo para a balança comercial não se esgota nas exportações. Para funcionar, a TAP precisa de dois ingredientes muito específicos: combustível e aviões. Em ambos os casos, estes ingredientes têm que ser importados (ou comprados a uma refinaria que importa petróleo). Quando subtraído o montante de importações da TAP, o contributo para a balança comercial é muito inferior ao propagado.

Mas o argumento mais ridículo é sobre o peso da TAP no emprego do país. A TAP tinha no início da pandemia cerca de 10 mil funcionários, menos de 0,3% do total do emprego no país. Entretanto, perdeu cerca de um terço dos funcionários e perderá mais com a reestruturação. Só isto já dá uma ideia do peso diminuto que a TAP tem no emprego do país. Se acrescermos a isto o facto de que a TAP tem uma força de trabalho altamente qualificada e bem paga (salário médio acima dos 60 mil euros por ano) será fácil de concluir que estas pessoas facilmente encontrariam alternativas, pelo que esse emprego não seria perdido. Mesmo que, por ridículo, se perdessem mil empregos dos 6 mil restantes (ou seja, mil pessoas altamente qualificadas não fossem capazes de encontrar emprego num país com taxas de desemprego qualificado ainda baixas), estaríamos a falar de injectar perto de 4 mil milhões de euros para salvar mil empregos, ou seja 4 milhões de euros por emprego salvo. Quantos empregos a economia consegue criar com 4 milhões de euros? Certamente mais do que um.

Um outro argumento que é muitas vezes apontado é o facto de a TAP ter fornecedores nacionais e por isso ser importante para muitos sectores. No livro fazemos esses cálculos apenas para concluir que a TAP não representa uma parte fundamental das receitas em nenhum sector fora do âmbito da aviação. Nem restauração, nem têxtil, nem serviços de engenharia, nem nenhum dos outros sectores normalmente apontados dependem da TAP para mais do que 0,5-2% do seu negócio. Ou seja, perderem o cliente TAP até poderia ser importante para empresas específicas, mas não seria mais do que um soluço para todos os sectores relevantes da economia nacional.

A ideia de que não é possível um país sobreviver sem uma companhia aérea de bandeira também se revela falsa. A existência de uma companhia aérea pública é hoje uma raridade na Europa. A maioria dos países tem companhias aéreas de bandeira privadas, muitas vezes nas mãos de acionistas estrangeiros. Alguns países com mais sucesso económico do que Portugal nem sequer têm companhias aéreas de bandeira.

A ideia de que não é possível um país sobreviver sem uma companhia aérea de bandeira também se revela falsa. A existência de uma companhia aérea pública é hoje uma raridade na Europa. A maioria dos países tem companhias aéreas de bandeira privadas, muitas vezes nas mãos de acionistas estrangeiros. Alguns países com mais sucesso económico do que Portugal nem sequer têm companhias aéreas de bandeira. Quando olhamos para países que deixaram cair as suas companhias aéreas apercebemo-nos que em nenhuma delas aconteceu o desastre económico que dizem que aconteceria se deixássemos cair a TAP. Pelo contrário, em todos os casos revistos, não só a economia não caiu, como cresceu mais depressa do que a portuguesa e todas elas têm hoje mais turistas, mais passageiros e economias mais vibrantes.

Finalmente, a ideia de que a injeção de dinheiro na TAP é igual à que foi feita noutras companhias aéreas também é desmentida pelos números. Não só a injecção de dinheiro na TAP é muito superior à injecção de dinheiro noutras companhias aéreas quando comparado com o tamanho do país, como, ao contrário do que acontece com outros países, é basicamente impossível a TAP conseguir devolver esse dinheiro. Mesmo assumindo o resultado do seu melhor ano, demoraria à TAP mais de 30 anos a conseguir devolver o empréstimo na totalidade. A Lufthansa, um exemplo muito dado no início da intervenção na TAP, já devolveu todos os apoios dados. Pelo contrário, a TAP continua a pedir mais. E assim continuará porque o problema da TAP é anterior à pandemia e é improvável que venha a ser resolvido nos próximos anos.

Todos estes argumentos foram desmontados recorrendo a dados e estatísticas no livro que podem encomendar em milhoes.maisliberdade.pt. Independentemente das considerações ideológicas sobre o tema, seria importante que todas as decisões deste calibre fossem justificadas com números e factos em vez de propaganda. A maior injecção em democracia numa empresa não financeira merecia que houvesse melhor justificação. A não ser, claro, que essa justificação não exista e que o único objectivo desta injecção seja esconder o erro da renacionalização da TAP em 2016, uma das decisões mais ruinosas na história da nossa democracia.

Carlos Guimarães Pinto
Economista / Professor Universitário