Passeio à Serra da Estrela

Aproximam-se as férias. Tempo de descanso, de relaxamento, de descontração, de esquecer o relógio e de passear.

Este é o mote para lhe propor, caro leitor, um passeio à Serra da Estrela. Se gosta de conhecer a história dos locais por onde passa, se aprecia a natureza e as caminhadas, se se delicia com a frescura e a beleza das paisagens, convido-a a vir comigo percorrer este roteiro.

O acesso à Serra da Estrela, na vertente ocidental (a mais próxima do Norte e Centro do país) faz-se habitual e quase invariavelmente pela estrada Seia – Sabugueiro. O que lhe proponho é que ele se faça por uma rota muito menos conhecida, fora dos circuitos turísticos, mas muito mais interessante em termos culturais, de lazer e paisagísticos, a iniciar-se em S. Romão.

S. Romão: Vila a cerca de três quilómetros e Seia, nas fraldas da serra, que deve o seu desenvolvimento recente, mas já em declínio, à manufactura da lã nas diversas fábricas de lanifícios. Escavações arqueológicas realizadas no Monte Crasto, na margem esquerda do rio Alva, apontam a existência do “povoado” mais de 3000 a.C.. Foi sede do Concelho entre o século XIII e 1836. É vasto o seu património, sugerindo-se, em versão reduzida, a visita à Capela do Santo Cristo, a antiga Igreja Matriz e Casa do Passal, a Casa das Tílias, a Capela de S. Romão, o Cruzeiro e o Santuário de Senhora do Desterro de que falarei a seguir.

Na estrada Seia-Covilhã, mas ainda dentro da vila, siga à esquerda para a Senhora do Desterro/Torre e inicie a subida. Cerca de três quilómetros depois encontrará a Senhora do Desterro.

Senhora do Desterro: neste lugar da freguesia de S. Romão descobrirá muitos e variados motivos de interesse. O seu “ex libris” é uma rocha antropomórfica, denominada “Cabeça da Velha”. Suba a pé (de SUV ou 4×4) cerca de um quilómetro, aprecie estre capricho da natureza, aproveite para ser dentista de ocasião e coloque uma pedra (dente) na boca da desdentada idosa…

Desça uns metros para a margem do rio Alva e delicie-se com a beleza e tranquilidade do local, tome um banho na praia fluvial e, se quiser fazer uma caminhada, embrenhando-se na natureza e deslumbrando-se com a paisagem, aceite esta sugestão: atravesse a ponte sobre o Alva e volte imediatamente à direita para um “canal” de transporte de água; siga até uma câmara de carga e, se ainda tiver fôlego, suba as escadas e continue o passeio pela levada até aos “cornos do diabo”, na Ribeira da Caniça. O trajecto é sempre em plano, de dificuldade muito baixa, e não ultrapassa os cinco quilómetros. Digno de registo, ainda, o Santuário de Nossa Senhora do Desterro, conjunto constituído por 10 capelas (século XVI) evocativas da paixão de Cristo. Uma delas, a Capela dos Doutores, é exemplar único no país.

O sossego é absoluto, a paisagem agreste da montanha e o vale do Alva, a seus pés, transmitem uma tranquilidade e paz que só a comunhão com a natureza permite alcançar

A não perder ainda, uma visita ao Museu Natural da Eletricidade. Instalado no edifício onde funcionou a que, alegam, foi a primeira central hidroeléctrica de iluminação pública do país, a visita é uma viagem no tempo, conta-nos a história da electricidade e explica-nos o desenvolvimento tecnológico verificado na sua produção. Os grupos geradores aí instalados, fazendo jus ao nome, são ainda os originais.

Continue a subir a serra. Dois ou três quilómetros depois, a estrada atravessa um canal de transporte de água e uma placa indicando “Central do Sabugueiro”. Estacione e percorra, de preferência a pé (mas pode usar o automóvel) e sempre em plano, os cerca de dois quilómetros que o separam da central. O sossego é absoluto, a paisagem agreste da montanha e o vale do Alva, a seus pés, transmitem uma tranquilidade e paz que só a comunhão com a natureza permite alcançar.

Regressado à estrada, verificará que, a partir daqui, a paisagem muda começando a rarefazer-se a vegetação. No entanto, a que se estende até onde a vista alcança é de grande beleza e com uma vista de fazer perder a respiração. E não, não vai de avião, tem os pés na terra…

A estrada entronca na que sobe de Seia para a Torre. Quando a encontrar, volte à esquerda para o Sabugueiro.

Sabugueiro: É a aldeia mais alta de Portugal e de paragem obrigatória. É uma típica aldeia de montanha de ruas estreitas e sinuosas. Percorra-as e aprecie as casas de granito e xisto com varandas de madeira. Pode aqui adquirir os produtos endógenos da região (com destaque para o afamado queijo da serra) cães da serra e tecidos, também de burel. Destaque para a praia fluvial e a cascata da Fervença, uma das mais altas cascatas da serra.

Dentro da aldeia, procure a placa “Manteigas/Vale do Rossim”; a estrada municipal vai entroncar com a de Gouveia/Manteigas e aí vire à direita até encontrar, pouco depois, uma placa indicando Vale do Rossim.

Vale do Rossim: local de grande beleza e de enorme valor científico e ambiental onde foi construída uma barragem para aproveitamento hidroelétrico, fica situado no maior vale glaciar da Europa. Desloque-se ao coroamento da pequena barragem e aprecie o imenso vale a jusante e o lençol de água a montante; tome um banho na mais alta praia fluvial do país, de águas limpas e cristalinas; estenda-se ao sol na margem mais arborizada da lagoa; refresque-se na esplanada do restaurante ou, se resolver ficar, aloje-se no eco resort onde pode optar por uma tenda de campismo ou por uma tenda mongol (yurt) com todas as comodidades de um quarto de hotel.

Ao sair, vire à direita para a estrada que ladeia a albufeira e siga até às Penhas Douradas. Aí, espraie o olhar pela imensidão do espaço que o rodeia, pelo vale glaciar de Manteigas e pela cidade que tem aos seus pés. Destaque para os “chalets”, para as casas incrustadas nas rochas e para o observatório meteorológico. Regresse à estrada principal e percorra a sinuosa descida até Manteigas.

Manteigas: situada no coração da serra, no vale glaciário do Zêzere, Manteigas deve o seu desenvolvimento sobretudo à, agora decadente, indústria de lanifícios. Motivos de interesse turístico são o viveiro das trutas e o Poço do Inferno. É um local onde “desagua” uma cascata com cerca de 10 metros de altura, acessível a pé através de um caminho de terra batida, ladeado por ravinas e de dificuldade muito alta. É, portanto, preferível, seguir pela estrada asfaltada, atravessando a belíssima floresta de faias, choupos, castanheiros e medronheiros e apreciando as paisagens deslumbrantes até chegar até a bela e refrescante cascata.

Continue a viagem subindo pelo vale glaciário do Zêzere, de 13 quilómetros de extensão, datando da última época de glaciação (cerca de 2,5 milhões de anos), de enorme interesse geológico e beleza agreste de que salientam os “Cântaros” (Magro, Gordo e Raso). Nas encostas, aprecie as ravinas abruptas que pendem sobre o vale e os “corregos” de água que se despenham em cascatas sobre ele. Esteja atento à placa indicativa do Covão da Ametade, faça um desvio para esse local paradisíaco e observe a nascente do rio Zêzere e o impressionante Cântaro Magro, formação geológica de cerca de 500 metros de altura. Pouco depois, deparará, do lado direito da estrada, com a imagem de Nossa Senhora da Estrela, escultura esculpida na rocha e de cerca de 9 metros de altura.

A Torre fica agora a dois passos. Ponto mais alto do território continental com 1993 metros, aí encontrará dois edifícios circulares, encimados por abóbadas redondas, que foram instalações de radar, abandonadas, alegadamente, por razões meteorológicas. Se houver neve, aproveite para esquiar; se não houver e se o teleférico estiver a funcionar, para percorrer, nas cadeirinhas, as duas pistas existentes. Depois de se refrescar e, eventualmente, adquirir alguns produtos típicos no centro comercial inicie a descida para Seia.

No trajeto, visite a Lagoa Comprida, a maior das lagoas da serra, construída para aproveitamento hidroelétrico, e parta daqui para conhecer o “Covão dos Conchos”.

É uma lagoa artificial com a particularidade de ter, a meio, uma enorme abertura em forma de funil por onde se escoam as águas que, através de um túnel de 1,5 quilómetros, são conduzidas para lagoa.

Na saída da Lagoa, a cerca de 500 metros, a estrada é atravessada por um canal de transporte de água; estacione e percorra a pé, em plano, menos de um quilómetros até ao Covão do Forno, abra os pulmões, respire fundo o ar da montanha e espraie a vista pelo vale abaixo. Não, não está na Suíça, está mesmo em Portugal!

Desça para Seia mas, pouco depois do Sabugueiro, faça um desvio para a estrada Manteigas/Seia e, logo adiante, vire para Seia. Observará a grandeza da serra e a vastidão da planície que se estende sob os seus olhos. E pronto, caro leitor, aqui fica a sugestão. Espero que seja útil.

Rui Abrantes

Advogado