Mandrágora – 20 anos: “Era um sonho nosso podermos ter uma sala de espetáculos e uma sala de exposições”

Foto: Isabel Faustino

Como o nome indica, o Teatro e Marionetas de Mandrágora é uma companhia profissional de teatro de marionetas, que completou em abril passado duas décadas de existência. O seu trabalho contém projetos que combinam a interpretação real com os diálogos entre as figuras imaginadas. Um percurso de 20 anos, 12 dos quais em Espinho, de uma companhia fundada por Filipa Mesquita, Clara Ribeiro e Rúben Gomes.

Segundo Clara Ribeiro, diretora artística, a companhia de Teatro e Marionetas de Mandrágora surgiu de uma ideia conjunta com Filipa Mesquita. “Fizemos escola na Academia Contemporânea do Espetáculo, no Porto e, depois disso, integramos, com o Rúben Gomes, um curso de Teatro de Formas Animadas, em Vila do Conde. Ao fim de três anos decidimos unirmo-nos e criar a Mandrágora a 2 de abril de 2002”.

Segundo a fundadora, até chegar a Espinho, o grupo “teve um percurso ainda longo”, acabando por radicar-se no Fórum de Arte e Cultura de Espinho (FACE) em 2010. “Estivemos durante quatro anos em Vila do Conde e fomos para Gondomar durante mais quatro, cidade com a qual ainda hoje temos algumas parcerias quer no serviço educativo, quer no festival que organizamos. No entanto, tínhamos uma proximidade muito grande com a Divisão da Cultura do Município de Espinho, através da Idalina Sousa com a realização do Festival Mar-Marionetas. Estivemos nesse evento desde o início e surgiu a proposta para a ocupação de um espaço no FACE”, recorda Clara Ribeiro.

Ainda sobre este projeto, ou melhor, sobre as ideias para a sua conceção, a escolha das marionetas acaba por ser uma forma que permite ao grupo “um diálogo com o público dentro desta técnica que nos foi interessando aos poucos e que fomos conhecendo a sua amplitude”, acrescenta Filipa Mesquita, outra das mentoras do projeto Mandrágora. “Fomos sentindo que havia espaço para nós e que a nossa estrutura tinha atores, mas também tinha construtores. Sentimos que era uma linguagem que poderíamos trabalhar desde o início, mesmo antes de fazermos um curso, ainda na escola de teatro onde tivemos algumas experiências muito interessantes dentro desta área”, conta Filipa. “Havia, de facto, algo onde nos poderíamos enquadrar, permitindo que o teatro pudesse ter muitas destas vertentes como teatro de dança, teatro circo, o teatro das marionetas e o teatro mais clássico. Por isso, este percurso acaba por ser um seguimento normal para a nossa companhia”, explica Filipa Mesquita que é, também, diretora artística da companhia.

A arte da marioneta é voltada para um público jovem, para as crianças e para as famílias, mas também para o público adulto. Segundo Filipa Mesquita “quando alguém escolhe uma forma de fazer arte, nós escolhemos o teatro usando os objetos, as figuras, as formas animadas das marionetas como linguagem da comunicação com os nossos distintos públicos”.

Durante muitos anos a companhia Mandrágora fez criações tentando explorar formas diferentes de fazer espetáculos. “Convidamos pessoas para nos virem dirigir, mas a partir de determinada altura achamos que deveríamos dar espaço aos próprios artistas que fazem parte da companhia para cada um criar e poder mostrar as suas preocupações artísticas aos grupos sociais e aos diferentes públicos que nos acolhem”, dá conta a fundadora da Mandrágora.

Curiosamente há uma certa ambiguidade quanto ao termo Marionetas nesta companhia. Para Filipa “nesta caminhada acaba por não haver nenhuma explicação sucinta que nos diga porque é que o Teatro de Marionetas Mandrágora é uma companhia especializada na área da marioneta. É da marioneta porque é uma forma técnica de fazer teatro. Somos uma companhia de teatro e a marioneta é, apenas, um recurso e nada mais do que isso”, evidencia.

Filipa Mesquita gostaria de acreditar que, “mais do que uma referência, há da parte dos nossos pares e das outras estruturas um reconhecimento pelo nosso esforço e empenho. Tem sido uma grande luta e, ao longo destes anos fomos trabalhadores muito compulsivos, sempre à procura de novas propostas, abrindo novos caminhos e a encontrar formas de podermos prosseguir a construção e a consolidação da companhia”, sublinha.

PARA ESPINHO, PARA O PAÍS E PARA O ESTRANGEIRO

A Companhia de Teatro de Marionetas Mandrágora, embora esteja sedeada em Espinho, tem raízes pelo país e pelo estrangeiro. “O lado da digressão nacional e internacional faz com que o nosso nome se espalhe”, diz Filipa Martins. “O nosso país tem as suas assimetrias, o espaço urbano e o rural, e nós tentamos ir ao encontro dos municípios, das bibliotecas e dos teatros que, de alguma forma, acham que o nosso trabalho é válido, mesmo que isso, às vezes, nos leve para sítios muito distantes e recônditos. Trata-se de uma descoberta e da luta constante onde a cultura nunca pode baixar os braços, tentando chegar sempre ao maior número de público possível, levando a nossa imagem e mensagens”, explica a mentora.

A Mandrágora tem, também, um percurso fora de Portugal embora tenha sido travada, de certa forma, pelo Covid-19. Mas já há planos para voltar à estrada internacional. “Fizemos algumas criações para tentar perceber como era a dinâmica a nível mundial e como entrar nesta dinâmica cultural. Conseguimos alguns parceiros que nos permitiram viajar a Espanha, Bulgária, França, Noruega, Estados Unidos, Macau e à Eslováquia. Este é um esforço continuado que está a ser repensado, com novas internacionalizações para 2023. A pandemia veio pôr um pequeno travão, mas neste momento já temos agendada uma digressão à Noruega”, revela Filipa Mesquita.

PROCESSOS CRIATIVOS DIFERENTES PARA CADA MARIONETA

Construir uma marioneta não é um processo fácil. Exige disciplina, conhecimentos técnicos e também muita arte e engenho. Nesta companhia, Rúben Gomes, também fundador do grupo, é o coordenador da construção das figuras. A maioria das construções são da sua autoria, mas há outros artistas plásticos a trabalharem na companhia e, de acordo com o criativo, há ainda “espetáculos criados especificamente por outros artistas convidados para o efeito”.

Para Rúben Gomes, as colegas Clara Ribeiro e Filipa Mesquita “são duas pessoas que acabam por assumir muita da linguagem que a companhia segue e têm nas suas criações. Mediante isto, acabamos por escolher os artistas plásticos que vêm colaborar. Escolhemos, também, os músicos de acordo com a linguagem que se pretende”, descreve.

O responsável pela arte plástica da Mandrágora vai acompanhando e encontrando algumas soluções técnicas para as dificuldades que são encontradas. “Partimos para uma investigação onde vamos ver um pouco da cultura do tema que está a ser abordado ou vamos recorrer a outros artistas que tenham produzido algo similar. São feitos desenhos e são partilhados pelo grupo de forma a podermos encontrar uma textura de materiais a serem explorados”, explica.

se tratar de um teatro de marionetas obriga-nos a uma construção antecipada porque estamos a construir os próprios atores que irão estar em cena. Os conhecimentos da Filipa e da Clara sobre os materiais ajudam-nos imenso na conceção das figuras”, sublinha.

Reportagem completa na edição de 15 de dezembro de 2022. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.