Marcas da governação: uma espécie de polígrafo!

Propagandisticamente, somos quotidianamente confrontados com dados sobre supostos conseguimentos que nos pretendem transmitir aspectos positivos e qualificados, sobre os quais não subsistiriam dúvidas da sua verdade intrínseca ou absoluta. Ou não deveriam subsistir. O problema advém quando essas marcas, mais do propagandisticamente propagandeadas, são manifestamente enviesadas, falsas e enganadoras. Analisaremos alguns exemplos.

Portugal não está há sete anos a convergir com a EU entre 2016 e 2023!

Em 2015 e 2016, Portugal apresentada um PIB per capita em paridade de poder de compra de 78% em relação à média europeia. No caso de convergência, este valor deveria aumentar e aproximar-se progressivamente da média europeia (=100) no período referenciado.

De acordo com os dados mais recentes, actualizados pelo Eurostat a Junho de 2023, e relativos ao ano de 2022, Portugal apresentava um PIB per capita de 77%. Ou seja, diminuiu um ponto o seu PIB per capita, pelo que se manifesta uma divergência em relação à média europeia.

Mais, não só não se verifica qualquer processo de convergência como, aliás, se verifica a divergência em relação à média europeia e uma perda relativa: em 2015, Portugal apresentava-se na 18.ª posição entre os 27 países da UE, tendo piorado o seu posicionamento para a 20.ª posição, e sido ‘ultrapassado’ por países como a Lituânia, a Estónia e a Polónia (num cenário cuja queda não foi superior pela perda de posições da Eslováquia) mas partilhando a 20.ª posição com a Hungria (que convergiu sete pontos) e a Roménia (que convergiu 20 pontos). Se estes países prosseguirem as suas dinâmicas de convergência, certamente alcançarão patamares superiores ao de Portugal, o que significará a ultrapassagem do nosso país e a queda para a cauda da Europa.

não só não se verifica qualquer processo de convergência como, aliás, se verifica a divergência em relação à média europeia: em 2015, Portugal apresentava-se na 18.ª posição entre os 27 países da UE, tendo piorado o seu posicionamento
para a 20.ª posição, e sido ultrapassado’ por países como a Lituânia, a Estónia e a Polónia

Portugal não foi o segundo país da EU que mais cresceu em 2022!

De acordo com os dados actualizados do Eurostat, em Novembro de 2023, relativos ao ano de 2022, Portugal foi o terceiro país que mais cresceu na UE (6,8%), atrás da Irlanda (9,4%) e de Malta (6,9%). Trata-se de um dado factual, divergente com a informação propagandeada. Não só apenas a não veracidade seria discutível, como também o seu contexto. É, certamente, uma excelente notícia o país apresentar um crescimento económico assinalável. Não fosse também o facto de Portugal ter apresentado a quinta maior compressão do PIB no ano de 2020, recuando 8,3%, atrás de Espanha (11,2%), Grécia (9,3%), Itália (9,0%) e Croácia (8,6%) e acima da média Europeia (5,6%). Isto depois de, em 2021, ter tido a sexta pior recuperação na União Europeia, recuperando apenas 5,7%, abaixo da média europeia (6,0%). Já anteriormente, neste mesmo espaço, havíamos abordado e assinalado que a economia portuguesa era uma das mais lentas na recuperação pós-pandemia.

A confirmar o desempenho insuficiente de Portugal, relativamente ao crescimento económico, estão os dados do crescimento do PIB entre 2015 e 2022. A preços de mercado, Portugal tem ‘apenas’ o 18.º melhor crescimento entre os 27 países da União Europeia. Os países que apresentaram um crescimento menos acentuado, exceptuando a Grécia, referem-se, em todos os casos, às maiores economias europeias, que como se compreende, apresentam taxas de crescimento mais conservadoras.

O dado preocupante é a comparação com os designados países da coesão. Durante o período de programação comunitária 2021-2027, são 15 os países da coesão, incluindo Portugal. Entre os países da coesão, todos apresentam crescimentos económicos entre 2015 e 2022, mais acentuados que Portugal, só à excepção da Grécia.

Não é verdade que a dívida pública esteja a reduzir.

A dívida pública, segundo dados do Banco de Portugal, aumentou de 235,7 mil milhões de euros (Novembro 2015) para 279,9 mil milhões de euros (Setembro 2023), ou seja, verifica-se um aumento de 44,2 mil milhões de euros no volume da dívida pública. Contudo, é certo que se tem verificado uma redução, não no volume da dívida pública, mas no rácio da dívida pública em relação ao PIB. A percentagem da dívida pública em relação ao PIB baixou de 131,2% (2015) para 112,4% (2022). Recorde-se que no Tratado da União Europeia, os Estados-Membros acordaram manter a dívida pública num valor inferior a 60% do PIB.

Não obstante a descida favorável da dívida pública, esta mantém-se num nível manifestamente elevado. Era, e ainda é, o terceiro país da União Europeia com a maior dívida em percentagem do PIB, depois da Grécia (172,6%) e da Itália (141,7%). Não se pode omitir, contudo, o processo. O conseguimento da redução da relação da dívida pública em percentagem do PIB, e o alcance doe excedente orçamental e de défices reduzidos, tem sido realizado à custa da economia, das pessoas, das famílias, das empresas e das organizações, do presente e do futuro.

Com efeito, a austeridade não foi embora, e persiste, agora e no futuro. O peso da dívida mantém-se como um enorme fardo que pesa sobre todos os portugueses.

O investimento público em Portugal, no período 2014-2020 foi o mais baixo registado em toda a União Europeia, com um peso médio de 1,9% do PIB, que compara com a média da UE de 3,0% do produto. O investimento público no período pós-troika (2016-2019) foi mesmo inferior ao investimento verificado durante o período de implementação do Memorando de Entendimento (2011-2014), com um peso de 2,5% do PIB.

O Banco de Portugal evidencia que se verificou uma degradação dos salários reais entre 2006 e 2020 nos salários qualificados e intermédios, que registaram crescimentos reais negativos, ou seja, os salários reais destes trabalhadores diminuíram.

O indicador global de custos de contexto, publicado pelo INE, com referência a 2021, evidencia que os custos de contexto têm vindo a aumentar paulatinamente, registando actualmente um valor de 3,09, numa escala de um a cinco, superior aos registados em 2017 (30,5) e 2014 (3,04).

A carga fiscal total em Portugal, medida pela relação entre as receitas fiscais e contribuições sociais das Administrações Públicas em percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), renova anualmente máximos históricos e atingiu o recorde de 37,7% do PIB em 2022.

Sem investimento, uma carga fiscal como nunca, e uma degradação continuada de serviços públicos essenciais nos domínios da saúde, da educação, da habitação, dos transportes, da justiça, da segurança, entre tantos outros, com persistência de baixos salários e perspectivas desanimadoras em relação ao futuro da economia e à melhoria das condições de vida e do bem-estar das populações. É preciso falar verdade sobre as marcas da governação.

Tito Miguel Pereira
Consultor