Carlos Sárria colaborou ao longo de muitos anos com a Defesa de Espinho, tendo sido um jovem pupilo de Benjamim da Costa Dias. Natural de Espinho, trabalhou durante quatro décadas numa empresa do Porto, mantendo a ligação com diversos jornais portuenses. Nunca quis assumir o jornalismo a tempo inteiro, mas foi uma voz crítica e ativa de Espinho, quer na vida política, quer desportiva. Atleta multifacetado, teve um percurso como nadador-salvador, tendo resgatado, de forma inexplicável, um bebé. Aos 88 anos, conta a história de vida na primeira pessoa.

Sei que nasceu num dia e que está registado num outro. Quer partilhar essa estória connosco?
Festejo os meus anos a 4 de dezembro, mas o meu registo foi feito a 6 de dezembro. O meu pai, na altura, cometeu um lapso e, para não ter de pagar uma multa, deixou que o meu registo se mantivesse tal como está.

É natural de Espinho!…
Nasci em Espinho. O meu pai era de Viana do Castelo, veio para cá trabalhar e radicou-se na então vila de Espinho. Ficou em casa de um tio meu, gerente da Caixa Geral dos Depósitos.
Os meus pais casaram em Espinho e nasci numa casa onde está atualmente a Farmácia Teixeira. Tenho uma irmã. Passámos a viver, posteriormente, na rua 9, próximo da rua 16, onde desfrutei toda a minha infância. Foi por ali que a rapaziada brincou e conviveu. Conheci lá muitas figuras espinhenses, nomeadamente o Válter e o Vladimiro Brandão, o Beto Baptista, o Marcial… tudo malta que acabou ligada ao desporto e à Académica de Espinho. Foi nesse local que fizemos o nosso ‘infantário’ e o nosso campo de desporto, em terra batida, que servia para jogarmos futebol. E tínhamos o passeio onde jogávamos voleibol, com uma corda presa a uma árvore. Em casa do Alberto Baptista, onde o pai tinha uma carpintaria, tínhamos espaço para jogarmos hóquei em campo com os troncos das árvores que serviam de sticks. Havia lá, também, um bilhar velho onde fazíamos uma mesa de ping-pong [ténis de mesa] improvisada. Por isso, foi daquela rua 9 que saíram muitos desportistas da época, que representaram clubes como a Académica e Sporting Clube (SC) de Espinho. Foi aí que tive um período muito intenso da minha vida, até 1965. Posteriormente, mudei de casa, para a rua 22 onde vivi ao longo de 50 anos.

Como foi a sua vida em Espinho?
Toda a minha vida foi em Espinho, embora fosse passar férias a Viana do Castelo, durante um mês do ano. Ia para casa da minha avó paterna, que ficava no sopé do monte de Santa Luzia. Saía de lá com uns quilitos a mais.
Frequentei a Escola da Feira, no ensino básico, e depois fui para o Colégio S. Luís, até aos 17 anos de idade. Deixei de estudar devido a um problema familiar e fui trabalhar para as obras de defesa da costa de Espinho, durante cinco anos. Foi aí que aprendi a fazer o trabalho administrativo num escritório. Tive como chefe um homem extraordinário e que foi esquecido por Espinho, o engenheiro António José de Lima Tovim. Ele concebeu a defesa da costa e elaborou um projeto para a construção de dois esporões, um a norte e outro a sul, que formariam uma baía ainda maior do que a que atualmente existe.

Viveu tempos difíceis no início de vida?
Vivi o tempo da II Grande Guerra, tempos extremamente difíceis, mas que foram uma lição de vida. Havia o racionamento de bens alimentares. Íamos com senhas à mercearia e vivíamos com aquilo que tínhamos e que nos permitiam.
Via os comboios a passar pela Linha do Norte, carregados de mantimentos que me parecia serem para a Alemanha. Sentimos, profundamente, a crise dessa época.

Como surgiu o desporto na sua vida?
Comecei a praticar desporto aos 11 anos. Frequentei a ginástica do Sporting de Espinho, ao domingo de manhã, no campo da Avenida. Essa ginástica era dirigida para dezenas de miúdos, pelo professor Silvério Vaz, com o Óscar e o Rodrigues barbeiro. Como era um rapaz muito franzino, o meu tio, que tinha um curso de ginástica sueca, fazia exercícios para abrir a caixa torácica. Por isso, a partir dos 13 anos cresci imenso.

Quais foram os desportos que praticou?
Pratiquei três desportos, à semelhança de alguns dos desportistas da época. Por exemplo, o Vladimiro Brandão foi, para mim, o mais eclético desportista espinhense e praticou cinco desportos. Em todos era muito bom, pois era uma pessoa que nasceu para praticar desporto.
Toda a minha prática desportiva estava relacionada com o Colégio de S. Luís e, na Académica de Espinho, pratiquei voleibol ao longo de 22 anos e mais três anos como jogador veterano, num campeonato no Porto. Recordo-me que uns iam para o Sporting de Espinho e o clube tinha equipas mais competitivas, e os outros para a Académica, como foi o meu caso. António Nunes das Neves, no Colégio de S. Luís, foi o pai do voleibol no SC Espinho, levando-o ao primeiro título nacional.
Além disto, pratiquei ténis de mesa durante 10 anos e três de natação. No entanto, fora disto, pratiquei muito desporto por minha conta e risco. Trouxe para Espinho o jogging após ter contraído uma hepatite que me deixou na cama durante 60 dias. Como engordei, formámos um grupo se que passou a chamar Os Cágados e que chegou a ter 37 elementos. Todas as manhãs de domingo fazíamos uma caminhada, desde o largo da Câmara, até ao Aero Clube da Costa Verde.

Por que razão eram chamados Cágados?
Nessa altura já estava ligado ao jornal Norte Desportivo e um dos redatores, numa notícia sobre caminhadas, colocou uma imagem de um cágado. O nome ficou e outros grupos pediram para assumirem, também, esse nome nas respetivas localidades.

Pelo que está a dizer, também praticou corrida?!
Cheguei a participar na meia-maratona da Nazaré e em algumas provas no Porto. Mais tarde, desinteressei-me por essas corridas porque começou a haver muita disputa e rivalidades. Esse não era o meu espírito, nem de alguns dos que estiveram na génese dessa prática. Passei a correr com alguns amigos.

Artigo completo na edição de 1 de fevereiro de 2024. Assine o jornal que lhe mostra Espinho por dentro por apenas 32,5€.