1– Detesto o mês de agosto. É tempo de férias em massa. Há as cidades que se despovoam e as que mais do que duplicam o número dos seus residentes, entre estas se contando Espinho e as suas belas praias. Os aeroportos enchem-se, as greves tornam-se apetecíveis, há filas, atrasos, gente amontoada por todo o lado, cafés, restaurantes, comboios…
Na televisão, os meus programas favoritos entram em pausa e as notícias escasseiam, nos cinemas é o déjà vu. Nunca faço férias em agosto! Prefiro trabalhar e, como estava ligada à emigração, nunca me faltavam convites para colóquios, convívios, festas e inaugurações no “país profundo”. O interior desertificado ganhava vida em mil e uma aldeias e era-me grato testemunhar essa “ressurreição”.
Agora fico em casa, em frente a um computador, ou a ler um livro, ouvindo música, e passeio à beira-mar, contemplando as multidões de “espinhenses sazonais” – todos bem-vindos, naturalmente. Eu aguardo setembro para iniciar a época de banhos que, com um pouco de sorte, se estenderá por um ameno outubro, quando a praia da Baía, para além dos surfistas, é frequentada por meia dúzia de castiços nadadores, quase todos da minha geração.
Em suma, não gosto da silly season. Todavia, este ano foi coisa que não houve, num mês intenso, cheio de movimentações sociais, políticas e desportivas. A Jornada Mundial da Juventude (JMJ), o Campeonato Mundial de Futebol Feminino, os Mundiais de Atletismo, a visita do presidente Marcelo à Ucrânia, a Cimeira dos BRIC e a Cimeira da CPLP, praticamente não deixaram vazios na minha agenda de agosto.
2 – Primeiro foi a grande aventura humana da JMJ, que atingiram, na verdade, a perfeição terrena, confirmando a tendência dos portugueses para descurarem as rotinas e se superarem para fazer o impossível…
Antes, atravessáramos a fase das questiúnculas mesquinhas, mas na hora da verdade, calou-se o coro de maledicência e ausentou-se, para longe, o notório anti Papa Dr. Ventura. Era a vitória de uma Igreja que já está no século XXI, com Papa Francisco e o nosso Bispo (em breve cardeal) D. Américo Aguiar, a quererem jornadas mais ecuménicas do que prosélitas. Que impressionantes imagens de uma religião vivida em comunidade, na procura de Deus pela também procura solidária dos meios de combater as injustiças e desigualdades muito atuais, por uma abertura à celebração festiva da fraternidade, na harmoniosa conjugação da música, da dança e da palavra. E agora?
Irá a Igreja retroceder? A energia que pulsava na JMJ era um regresso às origens do cristianismo e à alegria de viver a fé em comunidade. Só podemos desejar que não haja, nos days after, um regresso à igreja das hierarquias e dos sermões envelhecidos…
É bem patente que o futebol feminino cresceu nos maiores clubes do mundo, os “Manchester” e os “Barça”, e não nas escolas ou nas ruas – a isso obstavam preconceitos que vão mudando devagar.
Mal terminava a JMJ em Lisboa e, já nos antípodas, se desenrolava o Mundial de Futebol no feminino. Outro sucesso universal – pela beleza do jogo, pela ascensão de novas estrelas, pelas espantosas assistências (os estádios repletos, o Olímpico de Sydney, a bater o recorde australiano absoluto para qualquer desporto, com 75.748 espectadores), pelas audiências televisivas internacionais e internas – logo no primeiro match, para ver as suas “Matildes”, a Austrália parou, om uma audiência televisiva nacional de mais de 46 milhões. Na final, e, certamente, não por acaso, defrontaram-se, pela primeira vez, as equipas europeias dos países onde se jogam as principais ligas de futebol (de ambos os sexos), a inglesa e a espanhola. É bem patente que o futebol feminino cresceu nos maiores clubes do mundo, os “Manchester” e os “Barça”, e não nas escolas ou nas ruas – a isso obstavam preconceitos que vão mudando devagar.
Confesso que “torci” pela seleção inglesa, porque a sua vitória daria muito mais visibilidade, influência e poder ao futebol feminino. A Grã-Bretanha conserva a força da sua língua universal e a aura de grande potência no campo militar, político, cultural, desportivo, etc. A Espanha não. Contudo, não poderia imaginar quanta lama a sua liderança federativa ia lançar sobre o futebol e o desporto em geral. De pouco valeu a superioridade em campo das jogadoras e o seu “fair-play”. Delas, do seu futebol tecnicista e rendilhado, feito de muitos passes, já ninguém fala. Só se fala de um homem, que as substituiu, ocupando o palco, com o escândalo de gestos obscenos, mais o tristemente célebre “beijo a Jenni” e o discurso misógino que proferiu, não num comício fascista do Vox, mas na sede da Real Federação espanhola, aplaudido de pé pelos seus pares, que assim se tornaram cúmplices de uma conduta vergonhosa. Rubiales vai, é claro, sair de cena, vencido pela reação internacional e nacional, do Governo de Madrid, da opinião pública, de gente de bem do futebol – Casillas, Xavi, Iniesta, Simeoni, os jogadores das equipas de La Liga, com os do Cadiz a adotarem o slogan “todos somos Jenni”. Contudo, a grande vitória desportiva, soterrada sob um caso vulgar de violência e exibicionismo sexual, nunca mais recuperará a sua plenitude.
O despudor de Rubiales (não só o beijo à atleta Jenni, mas o exibicionismo de um gesto obsceno que as câmaras mostraram sem filtro e que, segundo ele, era dirigida ao selecionador) ganhou um significado de “guerra dos sexos”, de guerra de mundos, o masculino, ainda dominante, e o feminino. O conflito entre as jogadoras e estes dois machos latinos, como é sabido, já vinha de trás. No fim, talvez elas ganhem a competição, pela segunda vez.
3 – No terreno da política internacional, sobre as duas cimeiras referidas, direi, de momento, apenas, que é cedo para tirar conclusões. O alargamento dos BRIC aos tenebrosos regimes do Irão e da Arábia Saudita poderá cavar um fosso entre ditaduras e democracias, dificultando consensos e solidariedades, e, sobretudo, criar um maior desequilíbrio entre as partes, pelo desmedido reforço da única potência mundial que emerge no coletivo: a China! Doravante, os BRIC serão, nada mais, nada menos, do que “a China e os seus satélites”. O que ganharão com isso países como o Brasil e a Argentina? E a CPLP? Dentro do que dela se pode esperar, começou bem. Tal como queria o nosso país, pela voz uníssona de Presidente e Primeiro-Ministro, a próxima presidência não será entregue à Guiné Equatorial, (esse terrível “erro de casting”…).
Assim se evitou, ao menos para já, um golpe tremendo na credibilidade da organização. E o regresso do Brasil a um papel de primeiro plano é um bom presságio para o possível relançamento da organização. O Presidente Lula parece querer, felizmente, recentrar a Comunidade na vertente cultural, na defesa do reconhecimento internacional da língua comum. É, sem dúvida, a que pode gerar projetos agregadores de países que quase tudo o mais divide. A cultura é o máximo denominador comum. E é, sem dúvida, o domínio onde Portugal é mais igual, face à dimensão territorial, ao potencial e às legítimas ambições de “colossos” como o Brasil e Angola. Por isso, considero inteligentes as propostas portuguesas de promover os intercâmbios de jovens e instituir o equivalente a um esquema “Erasmus” no círculo da lusofonia.
As nossas universidades são o que de melhor temos para oferecer a futuros líderes de cada um dos países unidos pela língua, ou seja, ao futuro da CPLP. Pensar no longo prazo é preciso.
Em plena forma está o Presidente Marcelo. Que bem lhe correu o mês, com o momento alto do seu discurso em ucraniano! E, por fim, mais uma alegria, mais uma vitória: os mundiais de canoagem, carreiam para a Pátria duas medalhas de ouro – uma das quais do campeoníssimo Pimenta, que ainda juntou à sua coleção a prata e o bronze.
Assisti, no domingo, à prova em que arrecadou a prata. Prova difícil para ele, por não ser de pura velocidade, ponteada por sucessivas paragens nas plataformas que os atletas têm de atravessar com a canoa às costas… E lá estavam as mulheres a disputar a modalidade, a carregar, como eles, as pesadas canoas, em passo de corrida (tarefa bem mais ciclópica do que pontapear uma bola) e, depois, a receberem as medalhas no pódio, em perfeita normalidade, sem que se levantassem ondas de machismo. Que bela lição a canoagem dá ao futebol.
Manuela Aguiar
Ex-vereadora da CM Espinho e secretária de Estado das Comunidades